AURELINO
Fui apresentada à obra do Aurelino no inicio dos anos 90, pelo Emanoel Araujo. Fiquei maravilhada e comprei logo de cara um primeiro lote com 25 trabalhos. Passei anos olhando para eles, mostrando-os de quando em quando a pessoas que eu considerava sensíveis e capazes de compreender aquela obra, e nada... ninguém tinha nenhuma reação. Eu ficava muito frustrada, embora tivesse certeza da qualidade pictórica e criativa da pintura dele.
Como tudo o que é bom um dia recebe o reconhecimento, esperei pacientemente a oportunidade. Ela surgiu quando o Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro-IIPB realizou, no Instituto Tomie Ohtake em São Paulo e no Paço Imperial no Rio de Janeiro, a exposição Teimosia da imaginação – Dez artistas brasileiros, acompanhada do livro de mesmo nome e de um DVD com documentários de todos os artistas participantes. Aurelino foi destaque.
Simultaneamente à mostra no Brasil, surge de Paris Hervè Chandés, diretor da Fondation Cartier, em busca de nossos artistas para realizar uma grande exposição no hemisfério norte, e eis que reconhece no Aurelino um talentoso pintor e não apenas escolhe várias obras suas para participarem da exibição, mas também as compra para o acervo da Fondation. Uauuu!!!!!!!!!!!! Quem diria! Do anonimato, o soteropolitano humilde dá um salto e vai direto para a França. Diante desse feito era natural que também na nossa terra o trabalho de Aurelino passasse a ser admirado. E foi o que aconteceu.
Conheci o Rodrigo Castro, importante colecionador de arte contemporânea, que já então colecionava também a obra do Aurelino e que topou emprestar alguns trabalhos para a mostra. A ele, muito obrigada.
Faltava o curador. Quando chamamos o Lorenzo Mammì ele não conhecia a pintura do Aurelino. Imediatamente leu a riqueza de signos e símbolos e concordou em embarcar conosco nesta grande e, para nós, prazerosa viagem.
Que vocês também possam curti-la.
Vilma Eid
AURELINO - pinturas | NA GALERIA ESTAÇÃO Abertura: 25 de junho, às 19h - Até 31 de agosto de 2013 21 obras em exposição curadoria de Lorenzo Mammì
AURELINO
Leila Coelho Frota propôs certa vez o termo de “arte liminar” para descrever a arte popular brasileira. Com isso queria indicar uma arte que não surge diretamente do folclore, mas da urbanização de camadas pobres da população. Já desligados de seu ambiente de origem, mas também excluídos, em grande parte, das novas formas de socialização, os artistas liminares reorganizam seu imaginário com o novo material que têm a disposição. Dialogam, portanto, com a arte e os meios de comunicação dominantes, mas a partir de um ponto de vista diferente, que lhe permite, quando o talento ajuda, uma interpretação original.
Não sei se essa descrição se aplicaria a toda a arte popular brasileira, mas certamente se aplica a Aurelino dos Santos. Sob todos os aspectos, ele é expressão de uma cultura urbana e moderna. Em Salvador, freqüentou o mundo da arte desde a década de 1960, conheceu Mario Cravo e Lina Bo Bardi, mas nunca se adaptou completamente ao ambiente. Da pintura que os artistas baianos produziam não aproveitou muita coisa, a não ser, talvez, um ou outro elemento de Rubem Valentim. Mas não há dúvida de que seu ponto de partida é a planaridade da pintura moderna, e não apenas o espaço indeterminado, anterior à perspectiva, dos naif. Nessa planaridade reconheceu, de alguma forma, a expressão de um conflito profundo que o ameaçava pessoalmente por perto, e ao mesmo tempo uma maneira, ainda que precária, de estancar a ameaça. Isso o salvou de descambar no decorativo, como muitos artistas, inclusive mais aparelhados culturalmente, fizeram.
A cidade, em seus quadros, é vista de longe. Dificilmente poderíamos dizer onde o pintor se encontra, se acima, abaixo ou diante dela. Certamente, porém, ela é um todo compacto, encarado de fora. Perto da borda superior costuma haver uma linha ondulada que pode ser tanto perfil de montanhas quanto, em planta, a orla do mar. Abaixo desse limite, as figuras apertam: fachadas, praças, ruas, jardins, carros, navios, as igrejas, o elevador Lacerda. Às vezes até palavras e números, dizeres ou imagens recortadas do jornal. Manter as distâncias não é fácil. Tudo vem para frente, nada permanece sossegado em seu lugar: “As paredes dão cérebro” diz Aurelino nas entrevistas, e acaricia uma fresta ou uma corcova no reboco. As coisas pensam e, se a intenção delas pudesse se manifestar livremente, tudo desabaria no caos. Para mantê-las sob controle, Aurelino utiliza como gabaritos objetos encontrados na rua: ripas de madeira, por exemplo, ou tampas de lata. São elas, e não subdivisões calculadas, que conferem aos quadros seu aspecto geométrico. Mas o acaso das proporções denuncia uma urgência de que a geometria, normalmente, não é capaz.
Aliás, dentro desses limites impostos, tudo fervilha. Cada elemento é individualizado, dentro de seus contornos. por uma grande variedade de recursos: cores chapadas, pinceladas revoltas, pontilhismos variados, colagens. Os edifícios se esforçam para ganhar vida: às vezes conseguem, e surgem imagens totêmicas; às vezes ficam no meio do caminho, e ficamos na dúvida se enxergar janelas ou olhos, balaustras ou fileiras de dentes.
A qualidade dessa pintura está justamente em não esconder o conflito entre a rigidez dos contornos e a animação febril das superfícies, geometria e animismo – ao contrário, em levá-lo a um ponto máximo de tensão. O mesmo acontece com as cores: geralmente, são ácidas e dissonantes -- roxo, verde limão, azul celeste, ocre, rosa e laranja. Mal se acomodam um a outro. Mas a pressão que exercem reciprocamente acaba por equilibrá-los. Em muitos casos, sobretudo nos trabalhos da década de 1990, Aurelino os refreia recobrindo-os por um véu de tinta branca, eventualmente misturada com graus de areia. O efeito, então, é como o do som de um piano com o pedal da surdina abaixado: todas as relações harmônicas e dinâmicas estão lá, mas aturdidas. A surdez, no entanto, é o próprio plano da tela que vem à existência, que se torna visível e torna visível, com isso, sua capacidade de contenção.
Apenas uma vez, entre os quadros que conheço, a pátina branca é colocada por áreas alternadas, formando, ela também, um padrão geométrico. Curiosamente, talvez seja este o único quadro que, sem tal recurso, proporcionaria uma impressão de profundidade -- pela construção perspectiva (ainda que invertida) da igreja em primeiro plano e pelo recuo em pirâmide dos edifícios que estão atrás dela. Evidentemente, Aurelino sentiu a ilusão perspectiva como defeito, e encontrou uma solução bastante inventiva para resolver o problema.
Que a existência das coisas nos ameace, o sabemos desde Sartre. Mas um artista popular (liminar) não tem teorias que o sustentem, ele faz justiça com suas próprias mãos. Tudo deve ser resolvido imediatamente, por um fazer concreto. Com as armas quixotescas de seus gabaritos, Aurelino enfrenta todo dia seus moinhos de vento. Não os vence, mas por enquanto não deixou que invadissem o mundo. O plano do quadro é onde as coisas surgem e se amontoam, mas é também onde podem ser retidas. Talvez isso diga algo sobre geometria e planaridade que ainda não foi dito. Pelo menos, não desse jeito.
Lorenzo Mammì
AURELINO | pinturas
NA GALERIA ESTAÇÃO
Abertura: 25 de junho, às 19h - Até 31 de agosto de 2013
Com as armas quixotescas de seus gabaritos, Aurelino enfrenta todo dia seus moinhos de vento. Não os vence, mas por enquanto não deixou que invadissem o mundo. O plano do quadro é onde as coisas surgem e se amontoam, mas é também onde podem ser retidas. Talvez isso diga algo sobre geometria e planaridade que ainda não foi dito. Pelo menos, não desse jeito.
Lorenzo Mammì
Com curadoria de Lorenzo Mammì, a Galeria Estação apresenta a individual de Aurelino dos Santos (Salvador, BA, 1942), com 21 pinturas que expressam a cultura moderna e metropolitana do artista soteropolitano. Suas paisagens surpreendem pela geometria singular de planos, formas e cores. Caminhando pelas ruas dos arredores de Ondina, onde mora, ele recolhe materiais para conceber a sua obra que parece buscar ordenação no caos da vida da cidade grande. Em 2012, o artista participou da exposição coletiva “Histoires de Voir”, organizada pela Fundação Cartier, em Paris.
Com traços geométricos, suas pinturas retratam a vida urbana de maneira única. A partir de triângulos, círculos, formas retangulares, o uso de cores fortes, como roxo, verde limão, rosa, laranja, as telas de Aurelino, como a planaridade da pintura moderna, não trazem a noção de profundidade. “Nessa planaridade reconheceu, de alguma forma, a expressão de um conflito profundo que o ameaçava pessoalmente por perto, e ao mesmo tempo uma maneira, ainda que precária, de estancar a ameaça. Isso o salvou de descambar no decorativo, como muitos artistas, inclusive mais aparelhados culturalmente, fizeram”, afirma o curador.
Os objetos que recolhe em suas andanças, como ripas de madeira ou tampas de lata, servem de base para o aspecto geométrico de seus quadros. “Mas o acaso das proporções denuncia uma urgência de que a geometria, normalmente, não é capaz, diz Mammì. Segundo ele, ainda, “a qualidade dessa pintura está justamente em não esconder o conflito entre a rigidez dos contornos e a animação febril das superfícies, geometria e animismo – ao contrário, em levá-lo a um ponto máximo de tensão.”
Em Salvador, Aurelino frequentou o meio artístico desde a década de 1960, onde conheceu Mario Cravo e Lina Bo Bardi, mas nunca se adaptou e aproveitou muito pouco do que era produzido pelos artistas baianos. Para Mammì, sua produção é dotada de um misto de referências que passam pelo barroco, concretismo e neoconcretismo e se utiliza de uma série de recursos como cores chapadas, colagens, pontilismos e pinceladas fortes. “Os edifícios se esforçam para ganhar vida: às vezes conseguem, e surgem imagens totêmicas; às vezes ficam no meio do caminho, e ficamos na dúvida se enxergamos janelas ou olhos, balaustras ou fileiras de dentes”, completa.
Serviço:
Aurelino | Pinturas
Abertura: 25 de junho, às 19h (convidados)
Até 31 de agosto de 2013, de segunda a sexta, das 11h às 19h, sábados das 11h às 15h - entrada franca.
Galeria Estação
Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros SP
Fone: 11.3813-7253
Informações à Imprensa
Pool de Comunicação – Marcy Junqueira
Atendimento: Luana Ferrari
Fone: 11.3032-1599
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