MOISÉS PATRÍCIO - EXUBERÂNCIA

encerrado
26.10.2020 a 12.12.2020
Rua Ferreira Araújo, 625 - Pinheiros CEP: 05428-001 São Paulo - SP | Brasil | São Paulo - Brazil

curador

Exuberância


Um quilombo contemporâneo é, sobretudo, uma família extensa, de parentesco real ou simbólico. Como na África tradicional, a suprema danação aqui é ser sozinho.
Joel Rufino do Santos

 "A inserção do negro e seus dilemas"

Em sua primeira individual Moisés Patrício apresenta uma exposição que se constitui pelo cruzamento de dois planos: o visível e o invisível. Se no primeiro caso entendemos o que ele de fato mostra, as obras, pinturas, desenhos e esculturas que denotam uma política, um misticismo, uma história e, claro, o sensível, uma estética, no segundo plano ele organiza o invisível, a energia que está em constante movimento no espaço da galeria ao ser ocupado pelas obras do artista. No primeiro plano está a exposição, no segundo estão o terreiro e suas práticas, e ao final temos a encruzilhada Exuberância.
Ciente de ambos os planos, material e imaterial, a exposição é presidida por Exu, o orixá do artista, a divindade que tudo assimila, tudo comunga, o multiforme, o abre caminhos, o mensageiro entre deuses e homens, aquele que “acertou ontem uma pedra que só hoje atirou”. É necessário primeiro compreender essa cosmovisão, que é o ponto de partida e de chegada de Moisés, para poder entrar em diálogo com a expressão artística aqui apresentada. Dito de outra forma, estamos diante não apenas de um artista brasileiro, mas de um artista que afirma em sua obra que ele é afro-brasileiro como descrito por Kabengele Munanga em "Arte afro-brasileira: o que é afinal?". É dentro desse contexto que Moisés Patrício se liga à história e que nasce e se insere a exposição Exuberância.
A exposição é dividida em três séries: Álbum de família, Homenagem ao Mestre Didi e Brasilidades. Presidindo as três séries encontra-se a grande tela Exu. Em Álbum de Família Moisés presta homenagem a sua família do coração, a sua família expandida, aquilo descrito na epígrafe deste texto como “quilombo contemporâneo”, que é a família do terreiro. Em uma série de pinturas em grande formato e desenhos, ele retrata as pessoas que compartilham com ele a experiência social e cultural do terreiro, pois é lá que ele desenvolveu a sua sensibilidade. É no processo coletivo de preparar cada oferenda, de pintar os vasos sagrados, compor as roupas etc. que ele desenvolveu o seu senso estético, assim ligando a sua arte à sua formação espiritual, ou a sua espiritualidade à sua arte.
Reconhecendo também que a sua família expandida foi sempre a sua fonte principal de apoio, Álbum de Família é uma homenagem a essas pessoas em forma de gratidão. Aqui Moisés retrata pessoas que justamente foram invisibilizadas ao longo de suas vidas como resultado do corte violente gerado pela escravidão. Com esta série, ele reúne toda a sua família em torno do seu projeto artístico e traz o terreiro para dentro da galeria em forma de celebração e narrativa. Além de celebrar as pessoas de sua família, Moisés também retrata os gestos das pessoas durante os rituais do candomblé, assim cada gesto retratado se refere a um signo, uma letra de um alfabeto, como ele gosta de dizer, que tem um significado próprio dentro do terreiro. Nesse sentido, sua pintura alude ao artista afro-brasileiro Rubens Valentim e sua esquematização dos símbolos dos orixás.
Se em Álbum de Família Moisés homenageia a sua história subjetiva e afetiva, em Homenagem ao Mestre Didi ele expande esse tributo para a história da arte na qual ele está inserido como artista afro-brasileiro. As esculturas feitas de buchas e elásticos de cabelo coloridos conectam o jovem artista paulista ao mestre baiano, que também era um sacerdote artista. Além de estar evidentemente pedindo passagem à tradição, nesta obra, Moisés indica que sua forma de criar é baseada numa relação viva com a experiência do sagrado e na articulação de uma simbologia estética semelhantes ao realizado no campo artístico por Mestre Didi.
A conexão entre os dois artistas se instaura exatamente na encruzilhada do candomblé e suas tradições, e como esta se relaciona com a história geral das artes no Brasil. É importante lembrar que, se formos considerar no plano histórico a concepção de uma arte afro-brasileira, ela é fundamentada na manutenção de uma prática que teve sua origem na África, e que sobreviveu a toda tentativa de apagamento da humanidade dos negros durante a escravidão, e ainda se transformou em algo novo próprio no e do Brasil. Essa prática necessariamente escapa para além do corpo dilacerado no cativeiro, mas ao mesmo tempo ela reconfigura esse corpo com toda a humanidade do ser, o senso de comunidade, sociabilidade e individualidade. Essa prática recupera a culinária, as danças, as roupas, os sons, os laços hierárquicos do tempo entre os mais velhos e os mais novos, formando assim uma tradição. Em suma, essa prática faz do corpo o lugar da ancestralidade, e assim o torna sagrado. A prática que sobreviveu à migração forçada da África é justamente o trabalho estético realizado nos terreiros. Moisés Patrício, em sua expressão artística, elabora um projeto semelhante ao do Mestre Didi, em que ambos abrem um campo de troca entre a ancestralidade estética simbólica elaborada nos terreiros e a esquematização formal típica do meio da arte contemporânea.
Na verdade, a arte afro-brasileira é a maior expressão da sobrevivência de uma etnia diante da violência que foi e é o Brasil. Na terceira série, Brasilidades, Moisés apresenta vasos sinuosos aprisionados em blocos de cimento. A contradição das formas arredondadas dos vasos em relação aos ângulos retos dos blocos, assim como entre a fragilidade dos primeiros e a brutalidade do segundo, representa a violência que está instaurada no Brasil de 2020. A série Brasilidade faz uma referência sutil ao rolo compressor cultural da política do “Brasil Grande” da ditadura militar dos anos 1970, quando o concreto armado pode ser visto como o maior símbolo da construção de um projeto de homogeneização da cultura brasileira. O mesmo projeto que parece hoje estar de volta. Nesse sentido, esta série completa a paisagem da exposição Exuberância juntando três planos: o plano de uma história afetiva e pessoal; o plano da tradição formada por uma história geral da arte brasileira, mas do ponto de vista afro-brasileiro; e o plano do presente, do hoje, do agora. Da luta que todos estamos travando por liberdade contra forças repressivas e retrógradas.
Mas aí, como se um ponto de luz ainda faltasse, lembremos que todo esse panorama é presidido por Exu, o orixá mensageiro entre deuses e homens. Na grande tela que representa Exu, Moisés sutilmente escolhe como cor de fundo o amarelo, cor tantas vezes utilizada pelos demagogos brasileiros para justificar um patriotismo nada fraterno. Exu está lá, trazendo a ancestralidade para se impor em face de tentativas ditatoriais de homogeneização.
Vemos assim que a exposição Exuberância, além de celebrar a vida, não perde de vista a realidade das contradições do momento em que vivemos. Além de celebrar o sagrado, ela está calcada no mundo ordinário de hoje. Além de ser a inserção do artista na história geral da arte brasileira, ela também reivindica que ser inserido nessa história, para Moises Patrício, é assegurar o reconhecimento e o respeito da sua identidade, vale dizer, o reconhecimento das diferenças corporais, culturais e históricas dentro da multiplicidade que é ser brasileiro. Antes de tudo estamos diante da construção contínua de uma arte afro-brasileira.

Ricardo Sardenberg

RELEASE

Galeria Estação
Apresenta
Moises Patrício – Exuberância

Até 12 de dezembro de 2020


Com curadoria de Ricardo Sardenberg, Exuberância é a primeira individual de Moisés Patrício, artista que se notabilizou em coletivas entre as quais a celebrada Histórias afro-atlânticas, no Instituto Tomie Ohtake, realizada em parceria com o MASP (2018), OSSO – apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga, no Instituto Tomie Ohtake (2017) e Agora somos todxs negrxs?, na Associação Cultural Videobrasil (2017).
A exposição traz trabalhos que, no entendimento do curador, podem ser compreendidos em três séries que se relacionam com o tempo e sua espessura. A primeira, “Álbum de família”, reúne pinturas com as quais o artista homenageia sua família espiritual, figuras atuantes na preservação e na transmissão da cultura afro-brasileira e que permanecem invisibilizadas. Moisés cita, por exemplo, Dona Ceci, pessoa fundamental até hoje no campo da história oral e que colaborou com Pierre Verger ao fazer a ponte do fotógrafo com o Candomblé.  “Álbum de Família revela o artista não como alguém que detém o “gênio”, a singularidade de criar, mas o artista como resultado da vivência em um meio amplo regulado por hierarquias própria do âmbito familiar onde as relações são baseadas no respeito aos mais velhos, à iniciação, à partilha, e à reprodução do saber”, destaca o curador.
Já na série “Brasilidade” estão as esculturas em concreto localizadas no centro da galeria, enquanto em “Homenagem ao Mestre Didi” concentram-se as esculturas em tchutchucas coloridas. “‘Brasilidade’ é um congelamento do tempo, como uma fotografia, e marcada pela sua rápida execução, enquanto ‘Homenagem ao Mestre Didi’ é uma oração contínua praticada ao longo de meses, se não forem anos”, completa Sardenberg.
Segundo o curador, embora Exuberância se encontre dentro do tradicional cubo branco regulador da arte ocidental, a sua potência está em indicar um cosmo exterior ao contêiner da galeria, próprio da vida, em que continuamente procuramos reger as energias internas e externas. “E é aqui que Exuberância, de Moisés Patrício, propicia o encontro, ou por que não, o reencontro entre a vida e o sagrado”, completa.

Moisés Patrício 1984, São Paulo | SP – Brasil
Nascido na Zona Sul de São Paulo, o artista mudou-se mais tarde para a Zona Leste, próximo ao centro da cidade, local onde tinha muitas referências de economia, cultura e história, e também foi esse local que lhe deu a oportunidade de conhecer Juan José Balzi e ser seu assistente. Moisés teve seu primeiro contato com a arte aos 9 anos de idade. Trabalha com fotografia, vídeo, performance, rituais e instalações em obras que tratam de elementos da cultura latina, afro-brasileira e africana. Formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, compõe obras que tratam de elementos sagrados da cultura ameríndia e afro-brasileira. Uma característica significativa de seu trabalho é a alusão ao candomblé, para quem o sagrado passa pelo corpo e seu potencial manual.
Desde 2006, Moisés realiza ações coletivas em espaços culturais em São Paulo. Além das acima citadas, destacam-se: Against, Again: Art Under Attack In Brazil, Anya and Andrew Shiva Gallery, Nova York, Estados Unidos, 2019; Metrópole: Experiência paulistana, Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, 2017; Bienal de Dakar no Museu de Artes Africanas, Dakar, Senegal, 2016; A Nova Mão Afro-Brasileira, Museu Afro Brasil, São Paulo, SP, Brasil, 2013-2014; Aparecida – A Virgem Mãe do Brasil, Museu Afro Brasil, São Paulo, SP, Brasil, 2012.

Exposição: Moisés Patrício – Exuberância
Até 12 de dezembro de 2020
Segunda a sexta, das 11h às 19h | sábado, das 11h às 15h
Visitação mediante agendamento: contato@galeriaestacao.com.br | 11 3813-7253
Classificação livre

Galeria Estação
Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros SP
Fone: 11.3813-7253
www.galeriaestacao.com.br

Informações à Imprensa
Pool de Comunicação – Marcy Junqueira / Martim Pelisson / Ana Junqueira
marcy@pooldecomunicacao.com.br / martim@pooldecomunicacao.com.br / ana@pooldecomunicacao.com.br

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