em cartaz
21.05.2025 a 05.07.2025
Rua Ferreira de Araújo, 625 - 1o andar - Pinheiros - 05428-001 - São Paulo/SP/Brasil | São Paulo - Brazil

CENOGRAFIA

INTRODUÇÃO

Certo dia entrou na galeria um jovem pesquisador chamado Tálisson Melo de Souza. O interesse dele era pela obra de um dos artistas que representamos na Estação. Começamos a conversar, e ele me contou que estava mergulhado em uma pesquisa sobre a artista Lúcia Suanê. O nome me soou familiar, mas foi só. 

Alguns dias se passaram, e aquele nome ficou na minha cabeça. De repente, um estalo. Claro, lembrei! Em 1988, quando eu era sócia da Galeria Paulo Vasconcellos, fizemos uma exposição da chamada “fase cósmica” de Suanê, com trabalhos realizados naquela década de 1980. Já fazia muito tempo, portanto, que havíamos organizado aquela mostra. Mas o grupo de obras apresentado ali voltou inteiro na minha cabeça.

Inquieta, liguei para o Tálisson, que me colocou a par dos detalhes. Entre eles, o de que Dr. Paulo Carvalho, herdeiro da artista, havia criado o Instituto Suanê, com o objetivo de pesquisar, catalogar, conservar e divulgar sua produção. Fui conhecer o Instituto e vi um trabalho excepcional em andamento! De imediato, meu desejo foi de representar aquele espólio.

Propus ao Ivo Mesquita uma conversa sobre o trabalho da artista e a possibilidade de uma nova exposição. Lembrando-se da época e da história que envolvia a trajetória de Suanê, ele se estusiasmou com a ideia. Convidei-o para fazer a curadoria, e cá estamos. Espero que vocês também se surpreendam com a obra e curtam esses trabalhos tanto quanto nós.

Vilma Eid

curador

Lucia Suanê, a última etapa.


 


                                      A cor sozinha é só uma cor bonita. Mas, quando se enamora 


                                                de outra, ela se torna divina. Para mim está aí o mistério. 


                                                                                Lúcia Suanê, para o Portal Bahia Já, 2007


 


Desde o final do século XX, temos assistido a um movimento de recuperação de artistas mulheres que não foram percebidas em sua época, ou foram pouco consideradas pelos seus pares. Trata-se de uma revisão da história da arte e seus cânones, que preteriram as mulheres, entre outros, em sua grande narrativa, quase sempre tratadas como agentes subalternos em uma tradição de misoginia. Exemplar disso, entre outras formas de preconceito e discriminação, foi uma exposição, em 1947, na histórica Galeria Domus, a primeira de arte moderna em São Paulo, que tinha um título bastante peculiar: Senhoras de pintores conhecidos. Algo impensável nos dias de hoje. As artistas eram Lucia Suanê, casada com Nelson Nóbrega e única que não levava o sobrenome do marido; Judith Volpi; Lisbeth Rebolo; e Gertrudes Levy. Só faltou Noêmia Mourão, casada com Di Cavalcanti naqueles anos (GH). Segundo o organizador da exposição, ninguém menos que o concretista Waldemar Cordeiro, elas trabalhavam no espaço compartilhado do estúdio dos respectivos senhores, como aprendizes na linguagem deles. Entretanto Cordeiro destaca Suanê como uma artista mais completa, menos diletante, já com uma produção pessoal e genuína (1).1 De fato, ela foi a única que parece ter desenvolvido uma carreira – discreta, mas longa e intensa – com uma produção consistente, própria do seu tempo. Possui trabalhos em museus importantes, com exposições e prêmios no Brasil e no exterior, a despeito da sua pouca visibilidade no circuito artístico local. Deixou uma obra singular, marcada pela inteligência, pela sensibilidade feminina e pelo imaginário popular.  


Pernambucana de nascimento, mas radicada em São Paulo desde os anos 1940, Suanê fez sua primeira exposição individual em 1946, na Galeria Itá, tendo sido muito bem recebida pela crítica como uma artista original e promissora. Seus trabalhos compreendiam paisagens, cenas urbanas, feiras, festejos populares e temas religiosos, referências do seu imaginário formado com a vida no interior nordestino. Uma pintura planar, ingênua, com figuras dispersas aplicadas sobre o fundo, numa composição dinâmica, com cores vibrantes em incisões precisas (Trecho de feira I e II, Macaco de cheiro, todas de 1946). É, no entanto, notável nesse primeiro ciclo de pinturas, que se estende até o início dos anos 1970, o processo de abandono do caráter narrativo e espontâneo em favor de composições mais estruturadas, com densas zonas de cores, formas sintetizadas, um raciocínio abstratizante (Imbus, 1958; Barraca de romãs, 1963; Catavento, 1973). Daí a naturalidade, nesse processo de desdobramentos, da série Cósmicas, de 1988, com pinturas abstratas, espaços oníricos com formas flutuantes que sugerem música e movimento, expostas em mostra individual na Galeria Paulo Vasconcelos (2). Entretanto, apesar do crescente sucesso que se lhe apresentava com convites para exposições naqueles anos 1950, Suanê, sem nunca deixar claro o motivo, decide retirar-se das exposições, embora continuasse a pintar no estúdio em sua casa, onde também passava períodos sem qualquer atividade profissional. 


Esta exposição reúne um conjunto representativo da última etapa da carreira de Suanê, que teve início após a morte e o luto pelo companheiro, em 1998. Foram cerca de vinte anos de trabalho. O aparecimento desta surpreendente produção em uma profissional conhecida como pintora de têmperas revela sua capacidade de transformação, com o abandono dos cânones tradicionais da sua prática, para lançar-se em um campo aberto de experimentação formal, onde os trabalhos nascem de um pensamento abstrato, uma vontade de forma a partir de materiais, linhas e cores, em procedimentos de apropriação, montagem, colagem, costura, bordado, construção, amarração, gambiarras. Suanê passa a produzir pinturas como objetos construídos manualmente, num trabalho fresco e vigoroso, com a manipulação de telas, madeiras, tecidos, cordas, barbantes, contas, metais, arame, papelão, fios de cabelo, entre outros, num movimento francamente libertário. Para ela uma experiência vital depois de quase uma década sem trabalhar. (3)


Por certo há sempre o imaginário popular pernambucano povoando suas memórias, seus processos construtivos, mas é interessante observarmos como essa produção reflete também um olhar atento aos movimentos, estilos e práticas que constituem a visualidade moderna e contemporânea: Cícero Dias, Volpi, Concretos e Neoconcretos, Sophie Taeuber-Arp, Fontana, Nelson Leirner, a regência da abstração, a Arte Povera, a desmaterialização dos processos artísticos, o minimalismo (Sertão Jatobá, s.d.), Louise Bourgeois (Aranha, s.d.). Não são uma ascendência sobre o seu trabalho, mas parte do repertório de referências na construção de um olhar cosmopolita. Este conjunto de obras sugere uma espécie de testamento plástico, o relato visual do programa estético de Suanê, como ela respondeu ao seu tempo, na linguagem do seu tempo, consciente da sua autonomia (4).


O corpo da obra é feito de uma poética pictórica retalhada, madeiras e telas amarradas, pregadas, parafusadas, em composições de geometria intuitiva e manual, mas com um movimento sintonizado das partes, entre musical ou um seco ritmado (Aconteceu ontem, s.d.; Tijipió, 2018; Pastoril de Olinda, s.d.). O pensamento construtivo toma a colagem e a assemblage como estratégias para o trabalho, o plano como uma estrutura comunicante de cores, formas, espaços, gestos. Em formatos médios e constantes, com fundos manchados, quase sempre monocromáticos, eles se convertem num espaço de encenação da pintura: linhas de barbantes ou arames, aplicação de formas recortadas coloridas, de alumínio e de madeira, fitas de tecido, pinceladas concretas, recortes (Manaré, série Mamulengo, 2015; Catuama, s.d.; Sem título, 2019). São pinturas em que não há tensão. Surgem como algo lúdico – formas, memórias – e se entregam ao olhar com uma beleza franca, direta, ressonante (5).  


A serie das Bolsas – esse adereço tão feminino, são mais de 20! – revela algo zombeteiro com as formas geométricas, o espírito pop de Suanê. Segundo ela, lembram bolsas da mãe, da avó e, provavelmente, as suas e de amigas. Mas também se faz presente o sentido simbólico delas e seus conteúdos. Intimidade, mulher. São obras relativamente grandes em relação ao modelo portátil. Ela apropria-se apenas da forma, o design, esvaziada da sua funcionalidade, convertida em plano pictórico com linhas e zonas de cores, detalhes pontuais, luminosos. Uma construção simples, econômica, resulta em peças elegantes, bem-humoradas e sentimentais. Num outro gesto construtivo mais atrevido, Suanê recorta as bordas dos quadros, enxerta cunhas coloridas, abre buracos ou fendas no plano e invade a parede. Ou melhor, vaza a pintura para fora do marco, rompe esquadrias, ocupa o espaço da parede impondo uma tensão visual (Barra de Guabiraba, 2017; Lua cheia, s.d.; Sem título, s.d). Manifesta com toda essa produção, essencialmente, uma inteligência contemporânea.  


Para finalizar, um fato sempre lembrado na biografia de Suanê é que ela era tia-avó do grande artista contemporâneo Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão, o Tunga. Sim, segundo familiares, foram próximos, tinham uma relação afetiva e intelectual, com mútuo respeito profissional, registrada também em cartas. Entretanto, não há nada visível de imediato que os aproxime formalmente, senão que parecem compartilhar, com a diferença de trinta anos entre eles, um espírito atirado, ambicioso, provocador. DNA. Fizeram das respectivas práticas artísticas um exercício de liberdade.


 


Ivo Mesquita


Abril 2025


 


NOTAS



  1. "Uma exposição diferente e original". Folha da Noite, São Paulo, 2/4/1947, p. 6. (Fundo Lucia Suanê/Enciclopédia Itaú Cultural Eletrônica). Assim como o título da exposição, o da matéria no jornal ressoava uma forma de tutelagem. 


2 - Foi nesta ocasião que Vilma Eid, sócia da galeria juntamente com Torquato Saboya, conheceu Lucia Suanê e seu trabalho, que agora tem a sua representação.


3 –  Embora em retiro no trabalho, Suanê continuou a frequentar artistas e exposições e, muito provavelmente, não deixava de ver as bienais de São Paulo, da qual participou em sua primeira edição, em 1951.



  1. Vale observar que aquilo que aparecia como paisagem ou assunto na primeira etapa de Suanê, no final aparece nos títulos dos trabalhos, o lado literário da obra, que remetem a uma imagem, lugar ou memória: Os homens de Catimbau, s.d.; Tejucopapo, s.d.; Pastoril do Cordão Encarnado ou Quixabá II, s.d., entre outros. Não mais uma imagem ou lugar, mas uma interpretação da experiência deles.


5 – Esse tratamento de objeto dado por Suanê à pintura, esse movimento de avançar sobre o espaço faz com que seja notável em algumas delas a semelhança com uma escultura chapada contra a parede: Trecho de festa, 2010; Luar de Orocó II, 2017; Anoitecimento 2, 2017. Bem-humoradas.


 


 

RELEASE

Galeria Estação abre exposição de Suanê em maio e anuncia representação do Espólio da artista no Brasil



Reconhecida internacionalmente, a pernambucana, que esteve na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, conviveu com a cultura e as tradições indígenas do nordeste brasileiro e construiu sua trajetória artística multifacetada ao longo de sete décadas


Informações e fotos em alta para Imprensa no drive:
https://drive.google.com/drive/folders/1wlJ-4eTSRvohmDs10X2wx7m1iY3xYGer


 


Nascida Lúcia, mas batizada Suanê pelo pajé da aldeia do povo indígena Fulni-ô, no interior pernambucano, a artista plástica teve intenso convívio com as tradições da comunidade da vila de Águas Belas e de outros vilarejos, até chegar a Recife e Olinda. Das vivências se inspirou nas memórias, nas lendas contadas, músicas e rezas ouvidas para transformar tudo em arte. Parte dessa produção estará na exposição que tem a curadoria de Ivo Mesquita, e reúne obras da fase contemporânea de Suanê a partir de maio na Galeria Estação, em São Paulo.


A exposição reúne um conjunto representativo de trabalhos da última etapa da carreira da artista pernambucana (1922-2020) radicada desde 1940 em São Paulo onde desenvolveu, de forma discreta, mas longa e intensa, uma produção artística consistente, própria do seu tempo. Foram seus últimos 20 anos de atuação. 


“O aparecimento desta surpreendente produção em uma profissional conhecida como pintora de têmperas, figurativa, revela sua capacidade de transformação, com o abandono dos cânones tradicionais da sua prática, para lançar-se em um campo aberto de experimentação formal, onde os trabalhos nascem de um pensamento abstrato, uma vontade de forma a partir de materiais, linhas e cores, em procedimentos de apropriação, montagem, colagem, costura, bordado, construção, amarração, gambiarras”, destaca o curador Ivo Mesquita.


Em seu texto de parede, o curador enaltece o final da produção de Suanê, com pinturas como objetos construídos manualmente, num trabalho fresco e vigoroso, na manipulação de telas, madeiras, tecidos, cordas, barbantes, contas, metais, arame, papelão, fios de cabelo, entre outros, num movimento francamente libertário. Para ela uma experiência vital depois de quase uma década sem trabalhar.


Foi com o incentivo do marido, Nelson Nóbrega – pintor, desenhista, gravador e professor - que ela criou um estilo único para ancorar sua trajetória artística multifacetada, incorporando elementos de várias proposições estéticas, em diferentes fases da sua carreira. E não por acaso, a veia artística da família é reconhecida no fato de Suanê ser tia-avó do também pernambucano Tunga (Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão), artista plástico nascido em Palmares-PE, em 1952.


Lúcia Suanê Carvalho Nóbrega (1922-2020) participou da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, e em salões internacionais de cidades como Paris, Tóquio e Santiago. Também esteve no 20º Panorama de Arte Atual Brasileira em 1989. Em 2024, Suanê teve sua primeira grande retrospectiva exibida no Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP).


Mesmo com diversas participações em eventos nacionais e internacionais de grande impacto no mundo artístico, Suanê não conquistou, no Brasil, a mesma projeção ainda que estivesse integrada aos debates contemporâneos.


O trabalho e a trajetória da artista também instigam a reflexão sobre os limites da história da arte entre os séculos 19 e 20, conforme destacou o curador da exposição realizada no MAC-USP em 2024, Tálisson Melo.


Com formas diversas para aliar o mundo das coisas a uma dimensão cósmica da vida, a artista realizou, no período de meados de 1940 a 2020, um trabalho intermitente, com pequenas pausas na produção. E adotou, na extensão desse percurso, formas diversas de aliar o mundo das coisas a uma dimensão cósmica da vida.


No início, foi a fase da alternância entre a representação de cenas religiosas, naturezas-mortas e retratos. No final da década de 1980, vieram as pinturas que sugerem visões do céu e do universo. 


Já no período entre 2006 e 2019, a artista passa a recortar e abrir áreas vazias no suporte de suas peças. São incorporados tecidos, cordas, madeira, plástico e lâminas de metal aos processos produtivos. 


Com a representação da Galeria Estação, Suanê terá revisitada a última fase de sua produção, a partir dos anos 2000, que marca a mescla de materiais incorporados às obras e expandindo o vocabulário a um patamar ilimitado, que faz alusão ao cosmos e integra elementos que propõe novas leituras a partir de formas, cores, texturas e brilhos.


Serviço


Suanê


Período expositivo: 21 de maio a 05 de julho 


Abertura: 21/05 – 18h


Local: Galeria Estação


Endereço: Rua Ferreira de Araújo, 625 - Pinheiros - São Paulo-SP


Telefone: 11 3813-7253


Horário de visitação: segunda a sexta: das 11h às 19h | sábados: das 11h às 15h


 


Informações para imprensa:  


a4&holofote comunicação 


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