Esta é a segunda individual do André Ricardo na Galeria Estação. Ela acontece no ano de nosso vigésimo aniversário.
Desde sua primeira exposição, em 2021 só temos vivido com ele muitas alegrias. André é pessoa séria, comprometida com o trabalho, com a família e com os amigos.
Seu crescimento artístico é notório e pode ser acompanhado pelas ótimas exposições individuais e coletivas das quais tem sido convidado a participar no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa.
A produção que mostramos agora é recente, mas fruto de um ano de pesquisas alternadas com exposições importantes em instituições e galerias de arte parceiras. Vê-lo trabalhar é um prazer! Sua técnica têmpera é um primor!
Para o texto de apresentação convidamos o Igor Simões, curador que admiramos muito, pessoa seriamente comprometida com a arte e com os artistas.
André, querido, que sua trajetória continue sendo de conquistas, de felicidade e muito sucesso!
Vilma Eid
Começo este texto com uma canção que de alguma maneira morava em um canto da minha memória e que voltou depois de uma conversa com André:
“Mandei caiá meu sobrado /?Mandei mandei mandei?/ Mandei caiá de amarelo?/ Caiei caiei caiei! / Amarelo que lembra dourado /?Dourado que é meu berimbau /?Dourado de cordão de ouro /?Besouro Besouro Besouro”.
E arrisco ainda um pequeno poema de Adélia Prado que me acompanha há muito tempo e que, não por coincidência, a poeta chama de "Impressionista":
“Uma ocasião?meu pai pintou a casa toda?de alaranjado brilhante.?Por muito tempo moramos numa casa,?como ele mesmo dizia,?constantemente amanhecendo.”
Essas memórias surgidas entre conversas feita de cantos, poesias, fachadas caiadas, luzes e têmperas, foram também o caminho para que chegássemos (ele chegou) ao título desta exposição: LuzCaiada.
Caiar como fazem os moradores de interior ou de subúrbio quando revestem com outro tipo de cal aquelas fachadas de casas que fazem das ruas uma experiência particular da cor. Uma luz que surge do cal. Uma Luzcaiada.
Acompanhando nos últimos anos o trabalho de André Ricardo, esse jovem artista paulista, cujas raízes tocam lá numa cidade do interior de Pernambuco, sempre me captou a maneira como em sua produção há como protagonista um profundo labor e o compromisso com uma linguagem que não aceita concessões: o ofício da pintura.
Ser pintor é muito além de produzir imagens. Para ser pintura é preciso entrega a um processo contínuo que é feito de não apenas ver, mas escutar o que a própria pintura exige. Não é apenas fazer uma pintura, é estar com ela e com as interrogações que os próprios suporte e pigmento exigem. Um jogo feito de perdas e ganhos. Um lugar onde o erro é também caminho. Nisso, André é incomparável.
André esgota os sentidos dos cânones por levá-los ao seu limite. Como ele mesmo me conta: “Martelar as paredes dos conceitos da pintura para encontrar a sua própria”. Eis que então, do outro lado dessa parede, começa a surgir a luz que nos instiga aqui.
Há ainda a liberação produzida por artistas como André: a ideia de que a um artista negro caberia o compromisso de tratar apenas dos tais temas negros. Uma dinâmica por si mesma racista e limitadora. Um artista negro produz o que ele quer. Está aberto a esses artistas aquilo que tenho tentado pensar como o direito à forma. Aqui, a raça também é debatida em termos que extrapolam a ideia de uma representação fácil.
Em suas pinturas, o limite entre representação e abstração está o tempo inteiro presente. André pinta em um momento em que essas definições não são excludentes.
A primeira pintura de que André me fala é uma fachada. Nela, linhas azuis que podem soar como um portão se abrem para uma área em um amarelo que parece se acender com um sol que mora em algum lugar. Não posso fugir de ver uma lua que brota do centro da cabeça dupla de um machado de Xangô. Sei que essas formas estão aninhadas na memória desse artista ímpar. Também sei que, ao dividir essa luz conosco, ele nos convida a habitar um espaço que também é nosso. A melhor arte é assim: individual e coletiva. Particular e geral. Há de se reconhecer a grandeza dos artistas que chegam nesse lugar. Artistas como André Ricardo, que com sua habitual delicadeza nos permite entender que a Luzcaiada de suas pinturas também nos banha.
Igor Simões
Curador
LuzCaiada, segunda exposição individual de André Ricardo na Galeria Estação, reúne 20 pinturas inéditas que desafiam os limites entre abstração e representação
Com curadoria de Igor Simões, mostra reafirma interlocuções poéticas com a obra de Rubem Valentim (1922 – 1991), escultor, pintor e gravador baiano que foi tema de uma recente exposição em conjunto com o artista paulistano apresentada em Londres
Com abertura em 6 de agosto e visitação até 5 de outubro de 2024, a exposição André Ricardo: LuzCaiada integra a programação em celebração aos 20 anos da Galeria Estação. Segunda individual do artista no espaço sediado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, LuzCaiada reúne 20 pinturas inéditas, de diferentes formatos, recém-criadas com uma das marcas da produção de André Ricardo, desenvolvida ao longo de quase 15 anos de pesquisa: o uso de tinta têmpera aplicada em telas de linho manufaturadas pelo próprio artista. No texto de apresentação de LuzCaiada, o curador da exposição, Igor Simões, destaca que a densidade liquefeita da têmpera de ovo conferida às pinturas de André Ricardo foi também uma das inspirações para o título da mostra.
“É como se a tinta estivesse caiando o plano. Caiando como fazem os moradores de interior ou de subúrbio quando revestem com outro tipo de cal aquelas fachadas de casas que fazem das ruas uma experiência particular da cor. Uma luz que surge do cal. LuzCaiada, assim tudo junto, brinca de inventar algo que parece evocar um movimento, um jeito de ser cor, luz. O nome também repercute um jeito particular de lidar com a tinta, o suporte e a pintura. Antes de tudo, funciona como um convite para entender pintura como lugar de encontro de si e de memórias acessadas que partem do artista e reverberam também no outro. (...) Essas pinturas são complexas porque nelas está um conjunto de geometrias sensíveis que resultam da depuração de formas do mundo. No jogo desse artista, geometria é também sensação do mundo. Uma geometria afetiva que nunca é dura. Ela é etérea, luminosa”, defende Simões.
O domínio da técnica da pintura em têmpera, consagrada desde o renascentismo, no século XIV, e que consiste na utilização de tintas com pigmentos naturais aglutinadas em gema de ovo, é também uma das características do artista exaltadas pela sócia e cofundadora da Galeria Estação, Vilma Eid.
“Desde sua primeira exposição, em 2021, temos vivido com André muitas alegrias. Seu crescimento artístico é notório e pode ser acompanhado pelas ótimas individuais e coletivas das quais tem sido convidado a participar no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. A produção que mostramos agora é fruto de um ano de pesquisas alternadas com exposições importantes em instituições e galerias de arte parceiras. Vê-lo trabalhar é um prazer. Sua técnica têmpera é um primor”, avalia Vilma.
LuzCaiada também acentua a influência de um dos mestres da arte brasileira, Rubem Valentim (1922 -1991), sobre a produção de André Ricardo. Entre 25 de abril e 20 de maio de 2024, aliás, a interlocução poética entre ambos foi evidenciada na Inglaterra, por meio dos trabalhos reunidos na exposição André Ricardo & Rubem Valentim: Dialogues, promovida pela LAMB Arts Gallery.
Na ocasião da abertura da exposição, enfatizando que seu filho caçula Valentim foi batizado em homenagem ao pintor baiano, André Ricardo redigiu uma carta a Rubem Valentim. “(...) Lembro o quão revelador foi perceber que pintar é como fazer um percurso interno, lançar luz a uma pintura que já carrego. A visita a essa herança é uma afirmação do direito à memória, fundamental na construção de nossa identidade. Ver a obra de um outro artista também é um modo de acessar esse lugar. Sua obra, Rubem, não cessa de me provocar nesse sentido, ecoando fundo a cada encontro com ela”, defendeu o artista em um dos trechos da carta.
Representado pela Estação desde 2019, André Ricardo defende que sua relação com a galeria vai muito além de questões mercadológicas e reflete um marco afetivo de dimensão bem mais subjetiva em sua formação artística.
“Antes de ser um artista da galeria eu fui um assíduo frequentador de suas exposições e aprendi muito com elas porque tive a oportunidade de conhecer figuras maravilhosas, como Véio, Neves Torres, Chico Tabibuia, Alcides, Mirian e Conceição dos Bugres. Foi um processo que influenciou muito naquilo que eu faço hoje, pois me fez pensar em outras referências e não só especular acerca de uma visualidade brasileira ou latino-americana, mas, acima de tudo, especular sobre uma identidade. Acredito que a pintura é um caminho para o autoconhecimento e que também nos leva a uma dimensão de retorno a uma herança, a um lugar primordial”, explica o artista.
Para aqueles que viram a primeira exposição, André Ricardo: Pinturas, ele avisa que ecos dos trabalhos da mostra de 2021 serão perceptíveis, mas com novos elementos e desdobramentos tanto em nível de composição como de cores.
“A exposição reúne basicamente dois conjuntos de pinturas. Um deles ligado a meu interesse pela arquitetura vernacular brasileira, sobretudo das fachadas com platibandas que são bem características do interior do Brasil e do Nordeste. O outro é uma série que se originou a partir de um desenho feito por meio da observação de um pedestal com canhões de luz. Uma composição curiosa, que favoreceu uma pesquisa bastante variada sobre um assunto que é muito caro à pintura, que é a luz e o fenômeno da percepção da cor porque, embora a gente saiba que a pintura seja um plano bidimensional, o nosso olho não cessa de buscar profundidade e nunca vê tudo de uma vez. Daí veio também o título da exposição”, conclui André.
No vernissage de Luz Caiada, que ocorre das 18h às 21h do dia 6 de agosto de 2024, o artista e o curador, Igor Simões, farão uma visita guiada gratuita à exposição a partir das 19h.
Sobre André Ricardo
André Ricardo nasceu em 1985, em São Paulo, onde vive e trabalha atualmente. Formado em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, realizou diversas exposições individuais e coletivas no Brasil, Portugal, Espanha e, mais recentemente, Londres e Nova York, onde realizou uma residência artística na RU - Residency Unlimited em 2022. Em sua pesquisa, o artista elabora um repertório de imagens em torno de uma herança plástica ancestral na qual reconhece sua identidade. Identificamos uma cultura visual de matriz-popular e afro-brasileira, sendo essa evocada em imagens da natureza, arquitetura, cores e formas baseados em uma inteligência plástica sofisticada que não se limita aos referenciais canônicos da historiografia da arte. O vocabulário cromático brilhante e festivo que caracteriza as obras está diretamente ligado ao uso da têmpera de ovo. A pintura se inicia na escolha do linho ou da madeira como suporte a ser preparado. Esse complexo processo pré-industrial permite ao artista uma sensibilidade mais profunda em relação às cores, ampliando seu controle sobre seus efeitos na superfície.
Sobre Igor Simões
Doutor em Artes Visuais-História, Teoria e Crítica da Arte-PPGAV-UFRGS. Professor Adjunto de História, Teoria e Crítica da arte e Metodologia e Prática do ensino da arte (UERGS). Foi curador adjunto da Bienal 12 - Bienal do Mercosul. Membro do Comitê de Curadoria da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas-ANPAP, do Núcleo Educativo UERGS-MARGS, do Comitê de Acervo do Museu de Arte do RS-MARGS e do Flume-Grupo de Pesquisa em Educação e Artes Visuais. Tem mantido atividades na área de formação e debate sobre arte brasileira e racialização em instituições como MASP – Museu de Arte de São Paulo, Instituto Itaú Cultural, Instituto Moreira Salles – IMS, MAC USP – Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. É autor da tese Montagem Fílmica e exposição: Vozes Negras no Cubo Branco da Arte Brasileira.
Sobre a Galeria Estação
Com um acervo entre os pioneiros e mais importantes do país, a Galeria Estação, inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp, consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não-erudita. A sua atuação foi decisiva pela inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco, que passou a ocupar espaço na mídia especializada, vem conquistando ainda a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições Histoire de Voir, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, na França, em 2012, e da Bienal Entre dois Mares – São Paulo | Valencia, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual de Veio – Cícero Alves dos Santos, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, além de individuais e de integrar coletivas prestigiadas, os artistas da galeria têm suas obras em acervos de importantes colecionadores e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (SP), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (SP), o Instituto Itaú Cultural (SP), o SESC São Paulo, o MAM- Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.
SERVIÇO
André Ricardo: LuzCaiada
Quando: de 6 de agosto a 5 de outubro de 2024
Onde: Galeria Estação
Endereço: Rua Ferreira Araújo, 625 - Pinheiros, São Paulo
Abertura: 6 de agosto (terça-feira), das 18h às 21h.
Visita guiada: 6 de agosto (terça-feira), às 19h, com o André Ricardo e o curador Igor Simões; gratuita e sem necessidade de inscrição prévia
Horários de funcionamento da galeria: segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 15h; não abre aos domingos.
Tel: 11 3813-7253
Email: contato@galeriaestacao.com.br
Site: www.galeriaestacao.com.br
Instagram: @galeriaestacao