SONHÁRIO - MARTIN LANEZAN

encerrado
03.07.2021
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CENOGRAFIA

INTRODUÇÃO

Estamos vivendo tempos especiais. Muitas transformações, muita adaptação e novas maneiras de trabalhar, o que é muito rico!

Quando começou a pandemia, achei que tudo ruiria... Comecei então a fazer "drops" diretamente da minha casa sobre os artistas do nosso acervo e, surpresa, sucesso!!!

Uma nova maneira de expor, rápida na produção e duradoura, já que fica no site, é o viewing room. Ele nos permite criar conteúdo sobre artistas que não necessariamente são representados. Se isso, de um lado, propicia maior interação entre galeria e artistas, de outro, possibilita a estes mostrar sua obra sem burocracias e dificuldades.

Assim aconteceu com o Martin. Suas pinturas em tecido, como ele as denomina, chamaram a minha atenção, e me deu vontade de compartilhá-las com vocês.

Vilma Eid

texto

Sonhário – Martin Lanezan

Martin Lanezan veio do interior da Argentina. Migrou para a capital do país, Buenos Aires, e depois veio para São Paulo, onde vive desde 2014 na condição de imigrante. Daí vem a necessidade de abraçar sua identidade e fazer e desfazer camadas e camadas de tecidos, de leitura e arte como necessidade para estar no aqui.

Trabalha com tecidos desde 2018, ano em que faz uma passagem da pintura sobre papel para o tecido, dando tratamento de pintura para os pedaços de pano que ganha ou compra. Lanezan, que começou sua carreira artística em 2008, faz uso ainda hoje daquelas mesmas imagens, formas e temática, vistas nos trabalhos inciais. O folclore, o fantástico e as lendas populares misturados no que seria arte contemporânea, fazendo do artesanato e da arte popular que povoam sua memória e seus sonhos uma miríade de formas e cores, um tipo de colagem temática “costurada” em tecidos variados sobre pano. Tem momentos em que entra com desenho a lápis de cera sobre partes dos tecidos costurados sobre o pano, criando figuras humanas em situações ritualísticas, animais simbólicos como a coruja, o pato negro, a cobra, a anta e a onça, e a lendária flor do Ceibo, um símbolo nacional da Argentina, carregada de significados. São os bichos e flor que se podem identificar e fazem parte da fauna, flora e lendas que habitam sonhos expressos como o quadro a quadro de um filme feito de desenhos, de contornos e planos das costuras que se veem na sua obra.

Tradições, lendas, mitos e simbologias habitam o torpor de uma sesta na fazenda do interior argentino, onde nasceu e cresceu o artista. O momento de descanso do início da tarde, hora do cochilo ou do sono profundo como o de uma noite bem dormida, povoada de sonhos, marca suas lembranças. Os sonhos são inspiração que se materializa nas cenas e sensações desejantes dos pesadelos e mitos guardados na memória que carrega desde então, do seu tempo passado no campo de uma cidade do interior mágico e onírico argentino. Carrega lendas que escutava e agora se misturam com estórias populares e visões que não obedecem a uma razão, mas sim ao subjetivo e aos espíritos da natureza. O artista faz uma apreensão intuitiva do universo desses sonhos essenciais para o aprendizado da vida humana. Sonhar é apreender sobre futuros e novas formas de ver o mundo, tornando-os essenciais para compreendermos nossa condição humana. Seus panos se transformam em linguagem simbólica, nada mais do que uma forma de relatar conceitos místicos naturais e de fabulações da cultura popular contemporânea.

Trabalha também com o tempo introspectivo do ato de bordar e costurar, da precariedade desse gesto repetitivo das mãos para criar um trabalho autorreferencial que traz para dentro das bordas do panos a vida vivida.

Lanezan sempre desejou pintar o folclore e suas fantasmagorias. O que faz é uma espécie de colagem com planos de tecidos de cor, de estampas e texturas diferentes em que monta uma narrativa mágica que só pode ser pensada, justamente, dentro dos sonhos. Suas “pinturas com tecidos” são coisa de um sonâmbulo que interage com as próprias “alucinações”.

A noite chegou... “Primeiro experimentamos a entrega à penumbra com as pálpebras cerradas, iniciando uma desconexão reversível entre corpo e mundo exterior. Em seguida surgem as transitórias alucinações oníricas do início do sono, que logo cedem terreno ao sono sem sonhos, um estado de abandonada quietude e grande redução da reatividade sensorial. Finalmente, após quase duas horas, começam a emergir os sonhos intensos e vívidos dos quais por vezes nos lembramos ao despertar” (Sidarta Ribeiro em O oráculo da noite, p. 135).

Não sabia bordar nem quer fazer do bordado e da costura algo perfeito. Lanezan gosta do ato da repetição e dos gestos repetidos de bordar e costurar. Vai com a linha de um plano para o outro. Os planos dessas colagens pictóricas tomaram o formato de um poncho ao receberem um corte vertical no centro, permitindo ser vestidos como proteção e abrigo. Também representam a casa materna deixada lá atrás. Vai assim representando paisagens dessa memória e faz conhecer em sua obra novas paisagens do inconsciente, nunca antes imaginadas.

Começou a pintar por pura necessidade. Viaja ao costurar à mão, entra em transe experimentando os pontos, torcendo e retorcendo e alinhavando no gesto repetitivo de costurar, juntar partes e transformar essas partes em imagem sonhada. Tem a pintura como algo místico, de energias acumuladas e significantes do cotidiano. Faz uma mistura ou colagem de formas de animais, aves, plantas e figuras assemelhadas ao ser humano no desejo de encontrar-se com a pintura, portando a pintura sobre o corpo como manto que cobre tudo. As suas pinturas colagens de tecido, sombras dos sonhos, têm a escala humana.

O sonâmbulo que veste o manto acredita tanto no sonho que vive e vê os sonhos, tornando-os pesadelos da realidade.

Ricardo Resende
Curador
Museu Bispo do Rosario Arte Contemporânea

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Martin Lanezan - Sonhário
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