encerrado
10.09.2025 a 14.09.2025
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INTRODUÇÃO

A seleção de obras da Galeria Estação para a edição deste ano da ArtRio compõe um grupo variado de visões da natureza e da cultura brasileiras. São trabalhos realizados desde a década de 1960, por 12 artistas nascidos em diferentes regiões do país E que, em comum, figuram o mundo natural, suas gentes e suas construções. O conjunto forma um panorama amplo da arte feita no Brasil, nos últimos 60 anos, com peças históricas, ao lado de outras recentes e, mais que isso, inéditas.

Daquele primeiro grupo, vale destacar, por exemplo, uma pintura de 1966 de José Antonio da Silva, que representa uma festa de São João a partir da repetição de elementos coloridos. A seriação dessas formas constitui, entre outras coisas, uma dança de quadrilha em roda, bandeirinhas e luzes de fogos de artifício, além de uma fileira de burricos presos à cerca da fazenda, pintada, por sua vez, com a repetição de linhas marrons, figurando os troncos de madeira. 

A obra de Silva se encontra com uma visibilidade notável neste momento, em razão da exposição “José Antonio da Silva: Pintor do Brasil”, com curadoria de Gabriel Perez-Barreiro, atualmente em cartaz na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. A mostra, que passou entre maio e junho pelo Museu de Grenoble, na França, chega ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, em novembro próximo.

Outra pintura da década de 1960 apresentada pela Estação em seu estande na ArtRio de 2025 é uma tela singular de Amadeo Lorenzato, em que a ramificação de galhos e folhas de uma árvore – caracteristicamente intrincada nas representações do artista – ganha ainda mais intensidade com manchas vermelhas que vêm por trás da figuração, com uma rugosidade produzida pelos dentes de um pente, usado pelo artista como instrumento para espalhar a tinta sobre o suporte. O resultado produz um dinamismo visual de linhas, cores e irregularidades na superfície, em solução que se tornaria recorrente na obra de Lorenzato daquela época em diante.

No campo da escultura, é importante chamar a atenção, neste grupo escolhido pela Estação, para uma peça de Chico Tabibuia, intitulada Barco fantasma. Realizadp no começo dos anos 1980, o trabalho apresenta um barqueiro, com remos à mão e olhos arregados. Os elementos são todos, ou quase todos, entalhados na madeira e articulados, à exceção justamente dos olhos arregalados, feitos de plástico e provavelmente apropriados de um boneco, em procedimento incomum na produção do artista. Barco fantasma está reproduzido no livro referencial A escultura mágico-erótica de Chico Tabibuia, escrito pelo pesquisador Paulo Pardal e publicado em 1989.

Outra escultura do estande que merece menção é uma coluna de Itamar Julião, representando um leão sobre duas patas, entalhada em único tronco e com uma volumetria cheia de variações, para a figuração de patas, pernas, rabo e cabeça. No grupo de peças escolhido para a feira, há mais dois leões, do escultor Pixilô, feitos nos anos 2000, com terracota, deitados, com jubas compridas e penteadas. 

Dos artistas contemporâneos que representa, a Galeria Estação leva pela primeira vez ao Rio de Janeiro um conjunto de peças da artista Suanê, morta em 2020 e que, nos últimos dez anos de vida, realizou uma obra radical sobre chapas de madeira, com formatos variados e a aglomeração de toda sorte de materiais: cordas, arames, tecidos, chapas de metal etc. Na ArtRio, a galeria apresentará duas obras com alusões celestiais e uma tela que estabelece jogos visuais entre elementos geométricos pintados, colados e recortados na superfície.

Do pintor Deni Lantz, a Estação apresenta uma série de trabalhos inéditos: parte produzida durante residência do artista em Nova Iorque, na metade do ano passado, e parte realizada no primeiro semestre de 2025. Nesta produção, sobressai a depuração dos procedimentos de Lantz com a encáustica, em superfícies marcadas por ações de raspagem, pela alternância entre áreas com pouca e muita tinta e por pontos que, distribuídos no plano, dinamizam a imagem. Os resultados são normalmente alusivos, tanto a paisagens atmosféricas, quanto a mesas com frutas e utensílios.

Já o artista Higo José comparece à ArtRio com bordados e esculturas produzidos desde o ano passado, remissivos a objetos e pinturas rupestres. Alguns desses trabalhos integrou a mais recente mostra individual do artista na Galeria Estação, intitulada “Paleovisões”, que ocorreu no começo deste ano. Nesta exposição, o artista apresentou trabalhos inspirados por sua primeira experiência em uma cerimônia de ayahuausca, na aldeia indígena Boa Vista, no Acre. Nos bordados que realizou depois do ritual, há uma miríade de acontecimentos simultâneos, em meio à visão de fenômenos gráficos e de seres alongados ou distorcidos.

Por sua vez, Rafael Pereira apresenta, também pela primeira vez no Rio de Janeiro, um grupo de retratos e naturezas-mortas, realizados nos últimos cinco anos. Nessas pinturas, é nítida a incorporação da um repertório pictórico moderno (que compreende a observação de obras de Lasar Segall, Emiliano Di Cavalcanti, Alberto da Veiga Guignard e Henri Matisse, entre outros artistas), somado a uma liberdade no desenho, no uso das cores, nos gestos e na lida com as tintas. A altivez de seus retratos é uma das particularidades dessa produção com visibilidade crescente no circuito brasileiro – Pereira participou, por exemplo, do programa de residência artística Sertão Negro, em Goiânia (GO), em março deste ano, onde realizou uma série (ainda inédita) de retratos sobre papel de artistas negros, entre eles Heitor dos Prazeres, Madalena dos Santos Reinbolt e Emanoel Araújo.

Por fim, a Galeria Estação reúne, em seu estande na ArtRio, uma seleção de xilogravuras e guaches de Santídio Pereira. A singularidade do conjunto está na imagem sintética com que apresentam espécies da planta, sempre no centro da superfície, com uma ou duas cores, dotadas de uma vitalidade gráfica extraordinária – com suas formas, folhas e flores, alongando-se para todas as direções do papel. A propósito, até 4 de outubro, segue em cartaz, na Galeria Estação, em São Paulo, a exposição A céu aberto – Santídio Pereira, com curadoria de José Augusto Ribeiro. A mostra compreende a produção recente do artista, realizada no primeiro semestre deste ano, composta, entre outras coisas, por uma série inédita de xilogravuras com imagens alusivas a céus estrelados, constelações, à Via Láctea e ao cosmos. O que esses trabalhos dão a ver, afinal, é o universo impresso em papel.

 

 

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