encerrado
28.03.2017 a 27.05.2017
Rua Ferreira Araújo, 625 - Pinheiros CEP: 05428-001 São Paulo - SP | Brasil | São Paulo - Brazil

INTRODUÇÃO

A sensibilidade do olhar do Rodrigo Bivar ao selecionar para a mesma exposição obras de dois grandes artistas mostrou que o convite feito a ele para ser o curador foi acertado. E ele realizou mais ainda: ao unir o escultor Manuel Graciano e o pintor Neves Torres pela pintura, me propiciou uma ampliação da percepção. Convido-os também a fazer essa viagem.

Quando conheci o Manuel Graciano, em Juazeiro do Norte, ele já era um senhor (faleceu em 2014). Humilde, era calado, introspectivo. Teve vários filhos, família grande! Alguns deles, talentosos, encontraram também na escultura o caminho para a expressão criativa. No universo da arte dos não eruditos, dos ainda chamados populares, quando o tradicional é que os filhos “colem” na arte paterna, essa é uma família de destaque. Manuel foi contemporâneo de outro grande mestre de Juazeiro, Nino. Embora tivessem proximidade geográfica e ambos escolhessem como meio de expressão a escultura, contando histórias em troncos pintados, só o que os aproxima é a excelência.

Neves Torres – que ainda é vivo, e continua pintando com afinco – descobri em uma das edições da Bienal Naif de Piracicaba. Sua pintura de cores calmas, que lembravam a vida no campo, me impressionou fortemente. Descobri que na verdade ele trabalhara na construção civil e começara a pintar depois de se aposentar, estimulado pelo filho, que o presenteou com pincéis e tinta para que se distraísse. Assim teve início a obra desse excelente artista. Sua primeira exposição individual se deu na nossa galeria, em 2012, com curadoria de Tiago Mesquita, e chamou a atenção da mídia e dos colecionadores, que perceberam a autoria corajosa, a personalidade artística forte através de uma paleta incomum.

Com esta mostra abrimos 2017. Outras virão.
Divirtam-se.

Vilma Eid

MAIS INFORMAÇÕES

Manuel Graciano e Neves Torres Abertura: 29 de março, 19h Curadoria: Rodrigo Bivar

curador

A primeira vez que vi a pintura de Neves Torres foi em 2012, em exposição realizada na Galeria Estação. A impressão que tive à época, e que se mantém agora, com maior conhecimento e aprofundamento em sua obra, é que suas pinturas são as de um artista que domina plenamente seu meio de expressão. Um artista maduro que começou tarde no ofício.

O mesmo vale para Manuel Graciano. Ambos são artistas conscientes de suas poéticas e que procuram desafios. Os dois não se entregam a soluções fáceis. Seus trabalhos lançam um novo olhar sobre coisas já conhecidas e nos apresentam outras inéditas. São construções livres, poéticas e profundas.

Para a exposição aqui apresentada lidei única e exclusivamente com suas obras e alguns poucos textos escritos sobre eles, uma vez que não tive a chance de conhecê-los pessoalmente.

Por ocasião da exposição de 2012, Tiago Mesquita afirmou que uma das belezas da pintura de Neves Torres está “no modo como esse traço simples nos traz lembranças tão precisas do campo, de maneira tão original”. Para além de nossas recordações, suas pinturas nos remetem à simplicidade das melhores pinturas modernas. Penso em Matisse e Dufy. As telas de Neves Torres são divididas em áreas de cor muito bem definidas. Uma pintura planar com domínio absoluto da cor. Essa planaridade é vez ou outra cortada por “coisas” como árvores, casas, pedras, morros, plantas e bichos (outro recurso moderno que o artista utiliza são os arabescos). E essas “coisas”, assim listadas, fazem com que sua pintura não tenha uma hierarquia narrativa. Tudo ali tem a mesma importância.

Em uma tela vemos um bicho preto no canto esquerdo de baixo, uma faixa ocre na horizontal inferior. De lá saem duas árvores, e uma pedra com plantas no meio da tela, que, se não fosse por essa planaridade muito bem conquistada, estaria ao fundo dela. Os detalhes da tela são fundamentais para a composição do todo. Em outro trabalho há um grande pássaro rosa no centro da tela, os contornos das áreas de cor ao redor da figura acompanham seu desenho, e estas, cortadas vez ou outra por galhos, e em outros pontos com toques ágeis de pincel formando o que pode ser tanto a copa de uma árvore como sua raiz, uma vez que estão no limite entre uma mancha de cor e outra. A pintura de Neves Torres apela e convida ao olhar e à contemplação sem pressa. Assim como a vida ali retratada, forma e conteúdo estão intimamente ligados nesses trabalhos.

O artista nasceu no vale do Rio Doce, Minas Gerais, viveu no Mutum, no mesmo estado, e hoje mora em Serra, no Espírito Santo. Suas pinturas são dos lugares em que já viveu, e não do lugar urbano onde mora atualmente. Mesmo que agora esteja mais para a vizinhança do que para o isolamento, mais para o litoral do que para os campos de Minas, a casa de um homem não é só aquela que tem o teto que o abriga, é também o que ele traz dentro de si, não importa para onde vá. Neves Torres leva com ele aquela vida da roça. Porém, a vida do campo que ele pinta parece não existir mais, pelo menos não da forma como ele a deixou.  Tudo ali foi transformado, assim como o artista transforma seus pássaros e morros. Algumas imagens são recorrentes, bichos fantásticos, o mesmo tipo de planta, casas com a mesma construção (para esta exposição optei por não mostrar pinturas com figuras humanas).

Outro aspecto marcante de suas telas são as cores e suas relações. Neves Torres tem o controle total delas. Suas cores são sutis, doces, delicadas e complexas. Creio que essa complexidade é fundamental para entender o artista como um pintor saudosista, mas esse saudosismo é transformado em arte, não é conservador. A imaginação e a memória trabalham e embaralham muito rapidamente coisas muito diferentes. Sua pintura tem essa característica.

E também reinventa o passado – mas ele aqui tem que ser visto não como algo morto, mas como o motor da invenção. A ideia de nostalgia e saudosismo ocorre com mais frequência quando o caminho é o da roça para a cidade, e não o inverso. Experiência comum no Brasil: as pessoas que vivem da terra não conseguem tirar seu sustento, migrando para a cidade em busca de melhores oportunidades (Manuel Graciano arrendou uma terra onde plantava feijão e milho “para o gasto”). Mas Neves Torres não vê isso com comiseração, ele se orgulha de ter sido um ótimo operador de trator na época em que morava na roça. Sua família sempre ficou próxima. Foi seu filho, aliás, que comprou telas, tintas e pincéis para que ele se mantivesse ocupado após sua aposentadoria.

Ao olhar suas pinturas tenho a impressão de que estou ouvindo um amigo contar uma história. O que é real ou não pouco importa, o prazeroso é desfrutar a história que está sendo contada, a companhia, o causo, mais do que tentar achar sentido naquilo que está sendo dito. Embora não tenha a menor dúvida de que tudo que está ali é essencial. Suas cores e formas conquistam já no primeiro olhar, é uma pintura que pega de “primeira”, depois é que atentamos aos detalhes.

Ao contrário do trabalho de Neves Torres, o de Manuel Graciano era totalmente novo pra mim, até o momento da escolha destas obras para a exposição. Mas o espanto não foi menor. Fui pego de surpresa pela qualidade de sua obra. Suas esculturas não têm a doçura e a sutileza da pintura de Noves Torres. Isso não é um juízo de valor, apenas uma diferenciação. Penso que suas melhores esculturas são aquelas mais diretas, quase brutas, menos preciosas e as mais bem-humoradas. Nesses trabalhos sua ação na madeira e a tinta nela aplicada fazem lembrar a arte expressionista. Manuel Graciano, além de escultor, é também um artista que domina as cores e as integra com destreza às formas esculpidas.

Assim como Neves Torres o escultor tem apuro tonal, suas cores variam, de tons rebaixados (tintas preparadas com anilina misturada a breu e álcool), até cores fortes, empregando a tinta industrial ou a que estiver à mão. É importante perceber a diferença, não por uma mera questão técnica, mas porque isso muda a leitura e a compreensão do trabalho. As esculturas de tons mais rebaixados e sem muita preocupação com o acabamento se revelam mais demoradamente, são mais misteriosas, se “escondem”; as de tons muito fortes entregam-se mais facilmente – difícil dizer se somente pela pintura ou pela própria imagem esculpida.

O artista começou a trabalhar a madeira aos dez anos. Em entrevista à pesquisadora Lélia Coelho Frota, Manuel Graciano conta que aprendeu “com a natureza” a fazer pilões, gamelas e brinquedos que vendia para outras crianças. Com o tempo suas esculturas ganharam autonomia.

Nas composições trabalhadas em monobloco de madeira o artista prefere as figuras animais, muito raramente incluindo alguma figura humana. A escultura em que vemos uma cobra de um lado e uma ave do outro é, para mim, uma de suas melhores peças, ao lado do trabalho com uma onça em três fases, apreendida com pinceladas rápidas e sistemáticas. Num grande espaço vazio do tronco, as figuras parecem como que acomodadas a ele, muito próximo de como ficam verdadeiramente na natureza. O que acontece também na escultura de menor porte, porém não menos potente, onde vemos o que seria um morcego, ou uma coruja, apoiado no lombo de um animal. Essas figuras são esculpidas na madeira de tal forma que parecem se esconder naquele tronco. O artista utiliza também o que a madeira propõe para esculpi-la, tirando proveito do desenho da natureza. Esses animais sugerem em alguns momentos a sobreposição de tempos diferentes. Muitas vezes não estão no mesmo lugar.

Seus bichos, cobras, onças, sapos, tatus, lagartos estão muitas vezes em permutação, ou comendo-se, literalmente, uns aos outros. Na escultura em que vemos o que se parece com uma capivara abrindo a boca para devorar uma cobra, notamos que, assim como em Neves Torres, algumas figuras em Manuel Graciano são recorrentes. Em suas esculturas de bichos os dentes dos animais estão sempre visíveis. Estarão rindo, com fome, defendendo-se? Ora parecem assustadores, ora cômicos. Existe algo de absurdo em suas esculturas.

Todos esses trabalhos acima citados são feitos no que o artista Cicero Alves dos Santos, mais conhecido como Véio, chama de madeira fechada, uma peça de madeira que não se abre, algo próximo à ideia de totem. Porém existem nesta exposição algumas peças em madeira “aberta”. Em uma delas, vemos um pássaro em que a cauda é também composta pelo desenho do tronco. Esse pássaro parece estar muito bem acomodado à madeira, o único lugar em que esse bicho pode existir. Nessa escultura predomina o azul, talvez a cor da qual Manuel Graciano tenha mais domínio e controle. Abaixo do pássaro vemos um sapo (outro está um pouco acima de sua cabeça), um jacaré, e de novo aquele bicho dentuço. Há ainda uma aranha e uma lagartixa. Ele aproveita todo o espaço da madeira para esculpir seus bichos. Há uma fauna inteira ali. Tudo o que cabe na madeira entra. Vale lembrar aqui o crítico Rodrigo Naves: “O procedimento de identificar formas e figuras em objetos e ocorrências naturais (erosões, acidentes geológicos, manchas, rachaduras etc.) tem uma longa tradição na história: das pinturas rupestres e pedras de meditação da tradição zen às experiências de Miró com irregularidades de paredes e outras superfícies. Também na tradição da arte popular essa é uma pratica corrente”.

Na outra peça “aberta” da exposição, o artista esculpe três figuras humanas. Um homem, uma mulher e uma criança: uma família? Talvez sejam suas figuras humanas menos esquemáticas. Em outros casos nos quais a figura humana aparece temos sempre um mesmo desenho e uma mesma expressão (a exceção é o seu “Reisado”, que não entrou na exposição, onde há uma variedade de expressões.) Nessa escultura os homens convivem com os animais e plantas. Tudo ali faz parte da paisagem. Também não há hierarquia. Suas esculturas simbólicas são acompanhadas por seu olhar e mãos rápidas em resolver problemas formais.

Manuel Graciano vive em Juazeiro do Norte. É possível que ele tenha sido influenciado pela obra de outro grande artista morador da cidade, Nino (1920-2002). Algumas de suas figuras seguem o mesmo tipo de pensamento e construção do artista mais velho. Isso não diminui em nada a grandeza de Manuel Graciano. Pelo contrário: mostra como ele percebeu a potência de Nino e como conseguiu criar sua própria linguagem e poética.

Relacionar obras de artistas aparentemente tão diferentes – como no caso desta exposição – nem sempre é tarefa fácil, mas dessa eventual incompatibilidade nasce um conflito poderoso. Acredito que na obra dos dois artistas há algo de muito profundo, arcaico e respeitoso em relação ao homem e à natureza. Existe mistério nos trabalhos de ambos, mas não o mistério que quer nos esconder seu final, que quer nos pregar uma peça. Mistério diz respeito a fenômenos que o verbo não consegue acessar. Só podemos experimentá-lo como condição inerente da existência.

Rodrigo Bivar, São Paulo, Fevereiro de 2017


RELEASE

NEVES TORRES E MANUEL GRACIANO
NA GALERIA ESTAÇÃO

Abertura: 28 de março – 27 de maio de 2017

Com curadoria do artista Rodrigo Bivar, a Galeria Estação realiza a exposição de dois artistas de seu elenco: o pintor Neves Torres (Conselheiro Pena/MG, 1932) e o escultor Manuel Graciano (Santana do Cariri/CE, 1923-2014). Em comum, as obras selecionadas demonstram particular uso da cor e a maioria exalta a natureza em construções livres e poéticas. “ Acredito que na obra dos dois artistas há algo de muito profundo, arcaico e respeitoso em relação ao homem e à natureza”, afirma Bivar. 
Segundo o curador, as telas de Neves Torres são divididas em áreas de cor bem definidas: uma pintura planar que revela um absoluto domínio da cor. “Essa planaridade é vez ou outra cortada por “coisas” como árvores, casas, pedras, morros, plantas e bichos, sem hierarquia narrativa – tudo tem a mesma importância”, ressalta.  
Para quem começou a pintar tardiamente, estimulado pelos filhos, Neves Torres conquistou especial espaço no meio artístico. No ano em que foi realizada a sua primeira individual na Galeria Estação, em 2012, o artista mineiro também participou da coletiva Histoires de Voir (Histórias para ver), na prestigiada Fundação Cartier, em Paris, a convite do diretor da instituição, Hervé Chandès, que adquiriu obras do artista para o seu acerto depois da mostra.
Antes de assumir o ofício, Neves Torres atuou em diversas profissões, trabalhando no campo e na cidade, da enxada ao trator de esteira. Hoje, vive com a família em Serra, cidade próxima a Vitória (ES), num cotidiano urbano, nada parecido com as paisagens campestres que costuma retratar. Suas pinturas são dos lugares em que já viveu e não do lugar urbano onde mora atualmente. “Mesmo que agora esteja mais para o litoral do que para os campos de Minas, a casa de um homem não é só aquela que tem o teto que o abriga, é também o que ele traz dentro de si, não importa para onde vá”, completa o curador.
Já Manuel Graciano, nascido em Santana do Cariri, no Ceará, viveu desde pequeno em Juazeiro do Norte, cidade cearense do também consagrado Nino (1920-2002), de quem percebeu a potência criativa para conceber a sua própria linguagem. Para Bivar, igualmente ao pintor mineiro, Graciano domina as cores “para as entregar com destreza às formas esculpidas”. 
Nas composições trabalhadas em monoblocos de madeira, as figuras de animais parecem acomodadas ao tronco. O curador destaca que os bichos, cobras, onças, sapos, tatus, lagartos estão muitas vezes em permutação ou comendo-se literalmente uns aos outros. Em relação aos dentes sempre visíveis de seus bichos, Bivar indaga se estarão rindo, com fome ou defendendo-se. “Ora parecem assustadores, ora cômicos. Existe algo de absurdo em suas esculturas”, completa.    
Os trabalhos são feitos na chamada madeira fechada, como um totem, e também em madeira aberta, como nas figuras humanas e na obra em que a cauda de um pássaro é composta pelo desenho do tronco.  
Manuel Graciano começou a esculpir com 10 anos, fazendo pilões, gamelas e brinquedos que vendia par outras crianças. Casado e com filhos produziu ex-votos e presépios. Tal como Neves Torres, a sua obra ganhou destaque no cenário das artes. Entre as exposições estão Brésil, Arts Populaires, no Grand Palias, Paris (1987), Mostra Redescobrimento, Brasil, Fundação Bienal (2000) e suas obras fazem parte de acervos importantes.


Abertura: 28 de março, às 19h
Período da exposição: De 29 de março a 27 de maio de 2017, de segunda a sexta, das 11h às 19h, sábados das 11h às 15h - entrada franca.

Galeria Estação
Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros SP
Fone: 11.3813-7253

Informações à Imprensa
Pool de Comunicação – Marcy Junqueira
Atendimento: Martim Pelisson e Luana Ferrari
Fone: 11.3032-1599
marcy@pooldecomunicacao.com.br / martim@pooldecomunicacao.com.br / luana@pooldecomunicacao.com.br


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