encerrado
16.06.2015 a 04.08.2015
Rua Ferreira Araújo, 625 - Pinheiros CEP: 05428-001 São Paulo - SP | Brasil | São Paulo - Brazil

INTRODUÇÃO

A primeira vez que expusemos o José Bezerra, pernambucano do Vale do Catimbau, foi em 2009. De lá para cá temos acompanhado a sua trajetória artística, sempre consistente.
No lugar de onde ele vem nada é fácil, tudo é muito difícil, e acho que só a arte segura a alegria de viver desse homem sempre cheio de vitalidade, pronto para qualquer expressão artística. Toca seu berimbau, compõe suas canções, dança para sua “família”, que são as esculturas fincadas no chão do sítio onde mora.
É da terra que vem a sua inspiração. É da terra, dos troncos que já estavam mortos, que faz renascer as figuras que enxerga antes mesmo de esculpi-las. Sua intervenção é tão sútil e tão transformadora!
Visitá-lo é sempre uma emoção renovada. Ali, naquele lugar onde a natureza é tão bela, fala-se com Deus...
O fato é que Bezerra foi é e será sempre um grande artista. Sua intuição, perspicácia, visão criativa fazem dele o que ele nos mostra nesta exposição.
Ele é quase um minimalista, qualidade que espero que sempre faça parte da sua obra.
O querido Tiago Mesquita, curador da exposição, aceitou essa missão com alegria. É um dos admiradores do talento de Bezerra.
As obras aqui expostas são todas inéditas. Estamos muito felizes por poder mostrá-las. Espero que vocês fiquem felizes ao vê-las.
Vamos, juntos, curtir.

Vilma Eid

MAIS INFORMAÇÕES

José Bezerra | Esculturas Curadoria Tiago Mesquita Abertura 16 de junho 19h

curador

Quatro notas sobre José Bezerra


Tiago Mesquita


1


José Bezerra esculpe em troncos e galhos caídos. Materiais inertes que, de outro jeito, iriam se desfazer. Bezerra, contudo, enxerga nesses ramos tortuosos o formato de animais e outras figuras. É a semelhança com tais figuras que leva o artista a escolher o material. Ele vislumbra algo nos galhos antes mesmo de começar a trabalhar. Aliás, é o que ele enxerga na planta que o faz começar. Assim, a forma não é o fim do processo, mas qualidade do próprio cepo.


Por isso, as incisões não podem tirar o desenho que o material já tem. Bezerra faz pouco; limpa o galho, tira todas as distrações, faz incisões e reforça a aparência de bicho que ele já enxergava. Os entalhes precisam ser mínimos, o suficiente para que o galho tome a feição de animal, sem que deixe de ser lenha.


Como melhor descreve o crítico de arte Rodrigo Naves, Bezerra faz uma “intervenção rude e parcimoniosa”1 sobre os ramos. São cortes curtos e duros. Esse corte também traz um aspecto quebradiço e irregular à superfície do material. Como se sua pele revelasse que no seu interior muita coisa acontece. Nada ali está pacificado.


Muitas vezes, seu entalhe se confunde com os próprios veios e rachaduras da madeira. Embora pareça bicho, o tronco não perde sua qualidade vegetal. O material decaído também não é mais árvore e começa a assumir outro aspecto. O artista figura uma coisa se tornando outra. Nem mais galho, mas ainda não bicho.


2


Não é a primeira vez que a cultura descreve a transformação de vegetal em animal ou vice-versa. Narrativas orais, como as mitologias, contam histórias análogas com animais a tomar a feição de planta, gente convertida em árvore, árvore que se fez bicho.


Nas Metamorfoses (c. 8 d. C.) de Ovídio, humano se torna planta, animal e mineral. O autor latino narra o início das coisas a partir da mudança de natureza dos seres. Um dos mitos mais conhecidos do poema, e mais representados pela arte, é o do amor impossível do deus Apolo pela ninfa Dafne. Rejeitado, ele a persegue para declarar o seu amor. A ninfa sente repulsa pela divindade, foge dele. Ao ver-se acossada, pede ao pai que a salve. Ele a transfigura: faz com que ela perca o aspecto de bela ninfa para torná-la um loureiro.2


Quando o poeta descreve a modificação, conta como o corpo suave, arredondado, lépido em um instante fica cascudo, áspero e bruto. Tudo o que era pele suave se enrijece. Os pés velozes são convertidos em raízes preguiçosas, o calor da pele é substituído pela frieza da madeira, avessa ao contato sensual entre os corpos. A árvore, por fim, consegue fazer da repulsa indiferença.


No mito um organismo vivo se converte em outro. A transformação torna inanimado, rijo e estático um corpo que era descrito como vivaz, macio, cheio de movimento Algo de vida ali se perde. Na escultura que Gian Lorenzo Bernini fez a partir da narrativa, o volume também perde o viço na medida em que se torna vegetal. O brilho suave do mármore polido é trocado pela pedra bruta a representar o tronco de madeira. A superfície se esmaece à medida que é sobreposta pelo material áspero e sem polimento.


O trabalho de José Bezerra, como esse de Bernini, figura um corpo saindo de um estado e indo a outro. Nada, entretanto, poderia ser mais diferente. Na escultura do italiano, embora Dafne ainda tenha a aparência de mulher, é coberta por um suave espiralado de casca de árvore que lhe atribui uma natureza híbrida: humana e vegetal. Tudo se dá de modo delicado e ordeiro. A direção em que a madeira cresce é a mesma da torção do corpo da personagem. A escultura imprime um ritmo contínuo.


Para José Bezerra não há suavidade na passagem de um estado a outro. Suas figuras brotam na madeira como se fizessem força para sair. Na verdade, como vegetal, elas brotam ali. Precisam quebrar a semente, deixar de ser o que eram para começar a ser identificadas com outra coisa. O processo não se dá sem dificuldade. Os galhos insinuam as figuras, mas parecem não se confundir com elas. De várias maneiras, mostra-se o cerne do trabalho artístico: o material a assumir determinada forma.


3


Nesta exposição, por exemplo, temos pelo menos dois tipos de relação da matéria com a forma. São dois tipos de escultura. O primeiro é o grupo de peças em que a madeira tem um formato que sugere a figura do bicho. Por mais brutas que sejam as madeiras, é inegável a sua semelhança com o pássaro, o gato, o peixe, o tatu. Eles compartilham as mesmas características. São sinuosas como as cobras, têm bico como os pássaros, orelhas como os gatos.


As outras esculturas não têm o corpo com o desenho de algum bicho. A maioria dessas esculturas tem, na base, aspecto de tronco regular. A parte de cima se expande e mostra uma aparência mais irregular. A figura sai daí. Como se de uma das extremidades estivesse a sair um bicho. Pode ser a cabeça de um porco que surge na ponta de um toco, um carneiro que tenta sair do cilindro do tronco ou um tatu que se contorce tentando arrastar um pedaço curvo de pau.


Nesse caso, o tronco não tem o mesmo formato que o animal. Partes do seu corpo anunciam-se lá e cá. Ele parece tentar sair de um volume mais regular e compacto com muito esforço. Talvez estes trabalhos sejam apenas a maneira mais visível de mostrar o surgimento das figuras nas esculturas de José Bezerra.


Embora o artista sempre fale da facilidade que tem para encontrar a configuração dos diferentes seres no material, o modo como ele as esculpe mostra esses seres a surgir de maneira tortuosa. Assim, tanto os galhos quanto os bichos adquirem feição selvagem, raivosa. O trabalho fala de bichos que vivem em uma natureza hostil.


4


O índice mais revelador do esforço que os bichos fazem para deixar de ser matéria inerte e se mostrar como figura é atestado pela expressão facial deles. Em um grande número de esculturas, acredito que pela forma dos galhos trabalhados por Bezerra, a cabeça das figuras olha para cima, na diagonal, como se pretendesse se soltar do resto do corpo. A direção comumente é oposta à base do cepo, a figura se posta como se estivesse a encurvá-lo.


Aparecem daí figuras com pescoço teso, olhos arregalados, se esticando. O focinho é comprido, desproporcional ao resto da cabeça e muito mais fino que o resto do tronco. Em alguns trabalhos, a boca do animal está aberta e denuncia a força que ele faz.


Em um bicho assemelhado a um jacaré, a parte de cima é oposta ao topo do volume. O pé da escultura é grosso, compacto, pesado. A cara do bicho é longa e fina. Não parece ser possível um bicho sair de lá. Não por acaso, ele tem a aparência desesperada, de quem não vai ser outra coisa senão um volume estático e fossilizado de animal.


Aliás, como esses animais são aparentados com os fósseis! Têm cara de alguém que viu a morte se aproximar, o olhar voltado para lugar nenhum. Por vezes, os animais representados têm mais idade do que a própria madeira. Surgem nelas como a manifestação de uma lembrança de tempos anteriores ao que é antigo.


José Bezerra é do Vale do Catimbau, um lugar em que as marcas do passado vêm de muito longe. Os indícios de uma ocupação remota do território estão nas pinturas rupestres sobre as rochas, nos caminhos gastos e em uma natureza seca, retorcida e bonita. Muita coisa passou por lá, muita gente e muito bicho. Nas imagens, encontramos mais fósseis, reminiscências de um tempo que passou, do que propriamente o presente.


José Bezerra aproveita a natureza do Vale do Catimbau para fazer o seu trabalho. O que existe propriamente ali, mas também um certo significado de coisas que estiveram por lá e agora pairam como vestígios. Ele encontra a forma desses bichos e pessoas nos pedaços de árvore. Os bichos são árvore e as árvores são bichos. Como se eles compartilhassem alguma essência em comum. O passado surge nas figuras do presente, em um tempo em que nada consegue nos abandonar.


 


1 Rodrigo Naves: “Natureza e expressão” em idem, José Bezerra: esculturas. São Paulo: Galeria Estação, 2010.


2 Ovídio: Metamorfoses I, 452-567 (tradução de Raimundo Nonato Barbosa de Carvalho), em http://www.usp.br/verve/coordenadores/raimundocarvalho/rascunhos/metamorfosesovidio-raimundocarvalho.pdf (acessado pela última vez em 9/05/2015).


 


RELEASE

ZÉ BEZERRA
NA GALERIA ESTAÇÃO

Abertura: 16 de junho, às 19h - Até 04 de agosto de 2015

Quando José Bezerra olha um pedaço de madeira ele já reconhece a imagem que ali se insinua. Sua arte então é esculpir o tronco para que o desenho surja, deixando, porém, uma janela aberta à imaginação. Animais domésticos e bichos da região como tatus, cachorros e tamanduás são parte considerável da sua produção. Bezerra transforma temáticas simples em soluções inesperadas, ao deslocar com seu arsenal artístico a ideia que se tem da fauna original.
Com a intervenção de um facão, grosa, formão e serrote em árvores caídas, pedaços de troncos e raízes, ele retrata as mais diversas formas, aproveitando a natureza do Vale do Catimbau (PE), onde vive, para conceber o seu trabalho. "Ele vislumbra algo nos galhos antes mesmo de começar a trabalhar. Aliás, é o que ele enxerga na planta que o faz começar. Assim, a forma não é o fim do processo, mas qualidade do próprio cepo”, diz Tiago Mesquita, curador da exposição.
A mostra conta com cerca de 40 esculturas que se dividem em duas maneiras diferentes de relação da matéria com a forma. Além das peças nas quais a madeira sugere a figura do bicho, Bezerra trabalha também com troncos regulares a partir dos quais o animal aparece. “Pode ser a cabeça de um porco que surge na ponta de um toco, um carneiro que tenta sair do cilindro do tronco ou um tatu que se contorce tentando arrastar um pedaço curvo de pau”, explica o curador.
Mesquita ressalta ainda que muitas vezes, seu entalhe se confunde com os próprios veios e rachaduras da madeira. "Embora pareça bicho, o tronco não perde sua qualidade vegetal. O material decaído também não é mais árvore e começa a assumir outro aspecto. O artista figura uma coisa se tornando outra. Nem mais galho, mas ainda não bicho.”

Sobre o artista:
José Bezerra (1952, Buíque, PE) vive no Vale do Catimbau, no sertão de Pernambuco, região, segundo pesquisadores e arqueólogos, considerado o segundo maior sítio arqueológico do Brasil, tanto pela quantidade de pinturas e inscrições quanto pelo valor histórico. É respirando esta atmosfera que o artista produz suas esculturas, exibindo-as ao redor de sua casa, uma aldeia de seres em madeira que encantam os viajantes que por lá passam, entre os quais Zé Celso Martinez.

Serviço:
José Bezerra | Esculturas
Curador: Tiago Mesquita
Abertura: 16 de junho, às 19h (convidados)
Período da exposição: De 17 de junho a 04 de agosto de 2015, de segunda a sexta, das 11h às 19h, sábados das 11h às 15h - entrada franca.

Galeria Estação
Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros SP
Fone: 11.3813-7253 

INFORMAÇÕES À IMPRENSA
Informações à Imprensa
Pool de Comunicação – Marcy Junqueira
Atendimento: Martim Pelisson e Luana Ferrari
Fone: 11.3032-1599
marcy@pooldecomunicacao.com.br / martim@pooldecomunicacao.com.br / luana@pooldecomunicacao.com.br


 

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