encerrado
16.04.2012 a 19.05.2012
Galeria Estação R. Ferreira de Araújo, 625 - Pinheiros, São Paulo - SP, 05428-001 | São Paulo - Brazil

INTRODUÇÃO

Neves Torres | Pinturas 

Meu primeiro contato com a pintura de Neves Torres me deixou com a sensação de que eu estava diante do trabalho de um artista que vivia em outra esfera, diferente desta em que vivemos. As cores calmas, paisagens com lagos, montanhas, animais e, vez por outra, pessoas com rostos de animais me levaram a crer que o artista certamente era um homem do campo. Enganara-me, mas somente soube disso quando li na sua ficha que ele é habitante da cidade de Vitória, no Espírito Santo.

Ele mereceu e ganhou o premio aquisição, o que, eu soube depois, deixou-o e à família bastante surpresos. Era a sua primeira participação em um salão.

O ano era 2010 e o local, a Bienal Naïfs do Brasil, promovida pelo Sesc de Piracicaba. Eu fazia parte do júri e tinha a incumbência, com dois outros colegas, de escolher o primeiro prêmio entre 800 trabalhos colocados à nossa frente... tarefa árdua!

Voltei de Piracicaba decidida a visitá-lo. Eu precisava conhecê-lo para tentar entender a sua pintura. Convidei dois amigos para irem comigo, e lá fomos nós para essa pequena aventura que deixava minha cabeça repleta de fantasias a respeito do modo de vida do Neves Torres (não consigo chamá-lo somente de Neves e tampouco de Torres...).

Seu filho Francisco nos esperava no aeroporto e nos levou diretamente para a sua casa, onde o pai, o artista Neves Torres, nos aguardava. Uma bela família, estruturada, vivendo unida e muito feliz com a repentina conquista do patriarca da família.

A história é simples. Pai e filho trabalhavam na construção civil e o filho pintava por prazer e como assistente de um pintor. Na aposentadoria do pai, o filho, preocupado, comprou algumas telas, tintas e pincéis e deu a ele para que se distraísse. Os quadros do pai o surpreenderam, ele decidiu enviar dois deles para Piracicaba, e Neves Torres acabou saindo vitorioso.

A partir desse primeiro contato, passei a selecionar e comprar vários trabalhos dele, como faço sempre que conheço um novo artista. Ele pintava, mandava para mim, eu ficava com alguns e devolvia outros. Mas a obra foi crescendo de tal maneira que comecei a ter dificuldade de devolver os mais fracos. Bem, chegou então a hora de mostrá-lo.

Tiago Mesquita sentiu o mesmo entusiasmo ao primeiro contato com as pinturas, que reforçou ainda mais ao visitá-lo na sua casa em Vitória.

Decisão já tomada, esteve na galeria o Hervé Chandès, diretor da Fondation Cartier pour L’art Contemporain, para selecionar alguns artistas e suas obras para participar da exposição Histoires Vraies (Histórias Verdadeiras), que será aberta na sede da instituição em Paris no dia 13 de maio de 2012. E, entre muitos outros, escolheu seis pinturas de Neves Torres, que, dessa maneira, já inicia sua carreira com uma individual em São Paulo e uma coletiva em Paris!

Nós, da Galeria Estação, sentimo-nos alegres ao poder compartilhar com vocês esse momento tão especial.

 

Vilma Eid

MAIS INFORMAÇÕES

Neves Torres | Pinturas Abertura 16 de abril de 2012 a 19 de maio de 2012 Curadoria : Tiago Mesquita

curador

 Neves Torres


Neves Torres nasceu em Conselheiro Pena, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Morou em outros lugares, mas viveu uma parte boa de sua vida no Mutum, no mesmo estado. Lá começou a vida adulta, constituiu família e trabalhou na roça.


O Mutum já foi cenário para as histórias de Guimarães Rosa. Em “Campo geral”, o escritor descreveu o lugarejo de maneira simples e quebrada. A partir da voz de algum personagem anônimo que esteve por lá, contou que aquele pedaço do mundo era “um lugar bonito, entre morro e morro, com muita pedreira e muito mato, distante de qualquer parte; e lá chove sempre”.


Não sei quanto esse Mutum do personagem Miguilim se parece com o Mutum de Neves Torres, mas na obra do pintor tudo tem algo desse lugar bonito, perdido, caracterizado pelo que a natureza fez dele. A descrição escrita é singela, não explica nada, mas lista o que o personagem encontrou em Mutum. As descrições feitas pelas linhas de Neves Torres de cada galho também são diretas. A beleza está no modo como esse traço simples nos traz lembranças tão precisas do campo, de maneira tão original.


O texto nos conta de algumas partes desse lugar. Tem pedra, tem mato, tem chuva, mas nada parece ocupar um espaço determinado. É um morro, um lugar e outro morro. Nos quadros, também vemos bichos diferentes, minerais diferentes, vários tipos de planta e de gente e “muito mato”. Tal qual o texto, a imagem também nos mostra figuras meio soltas, individualizadas, isoladas. Tanto, que parece ser difícil reconstruir um mesmo cenário para o pasto, a vaca, as casas e plantas.


Na obra de Neves Torres essas coisas também parecem estar em pedaços de terra insólitos. Se não são distantes no espaço, como no que Guimarães Rosa descreveu, podem sê-lo no tempo. A sensação que temos é de que aquilo é a imagem de algum lugar e de lugar nenhum. O artista reúne suas figuras como se juntasse partes do mundo que ficaram no passado, foram contadas, imaginadas. Embora estejam uma ao lado da outra, talvez não estejam no mesmo lugar, e, no entanto, estão, mas na obra de arte.


Em uma das pinturas, por exemplo, o tom mais claro de verde pode ser fundo onde aparece uma floresta mais fechada. Ao lado, aparece um verde mais escuro, onde aquela floresta é derrubada por lenhadores que têm rosto de pássaro. Eles ocupam a mesma imagem, mas são momentos diferentes na cena, não constroem o mesmo lugar. Relacionam lugares diversos como quem tenta descobrir o vínculo difícil entre tantas coisas que viveu ou imaginou. 


Neves Torres não morou só no campo. Ele se mudou outras vezes e trabalhou em muitas profissões diferentes. A que mais o orgulhou foi a de operador de trator de esteira. Conta que guiou dos modelos mais antigos aos mais modernos; os mais difíceis e duros de pilotar e os de último tipo: suaves, com direção hidráulica. Era muito bom no ofício, e sua destreza é contada com o orgulho de quem sabe o que está falando.


Faz algum tempo que o pintor mora, com boa parte da sua família, em Serra, no Espírito Santo. Lá tomou alguma distância de suas origens rurais. A cidade é maior, cortada por avenidas, próxima da estrada e muito perto de Vitória, capital do estado. Está mais para o litoral do que para os campos gerais do interior de Minas. Mais para a multidão do que para o isolamento.


Estimulado por seu filho Francisco, em Serra, ele começou a pintar sobre tela. Dois de seus meninos se dedicavam à pintura desde a juventude. Neves Torres se iniciou no ofício maduro, há menos de dez anos. De lá pra cá, já expôs em coletivas importantes, foi premiado e se tornou conhecido no meio de arte popular.


Decidiu retratar imagens do mundo rural que deixou. Aliás, muito daquele mundo rural que o trator desfez e refez. Na pintura, o artista parece tentar relembrar tudo o que conheceu. Algumas coisas de fato remontam às memórias da vida do artista. A casa das máquinas aparece em várias telas, o moinho, cenas de derrubada da mata, curral, pasto, a vaca no pasto, o lago, os peixes do lago, os pássaros das árvores e as outras plantas.


Há também coisas que parecem sugerir figuras fantásticas, deslumbrantes. Em uma tela, dois pássaros estão no topo da copa da árvore. Como se postam no canto, aquela folhagem parece se tornar um rabo de pavão para cada um deles. Os pássaros e a árvore tornam-se uma coisa só. Mas aquele verde-escuro contrasta com uma forma rosa que destoa completamente da cor do bicho que é mato e do mato que é bicho. Sobre o rosa, uma casa desenhada de maneira simples sugere uma morada no meio dessa natureza encantada.


As imagens carregam algo do meio rural e de uma paz idealizada da vida campestre. Não dá para dizer que a imagem lembra algo da vida do artista, mas o repertório de formas vem daí, ou de alguma coisa que alguém lhe contou e até mesmo de uma visão a partir do que ele conhece.


Em geral são lembranças surgidas no momento em que o artista vive com os dois pés plantados no concreto e no asfalto da cidade. Lembranças de uma vida rural que ficou em um passado, que não existe mais.


A melhor música sertaneja brasileira também foi feita por pessoas do meio rural que viviam em cidades. Elas eram capazes de capturar os prazeres e dificuldades da vida simples no campo. Cantar a saudade de quem precisou abandonar aquele lugar e agora se lembra dele como um paraíso perdido.


Ao que parece, Neves Torres realiza operação muito semelhante. Assim, encontra um lugar de relações mais simples, onde, inclusive, nada parece estar mais distante e nada mais próximo. Nenhuma das figuras parece ser mais importante que as outras. São imagens de pequenas lembranças, cada uma traçada com a mesma dedicação e feita como uma lembrança individual, não como parte de uma imagem completa.


A árvore parece ter papel tão importante quanto o homem, o peixe, a folha e a flor. Mas sempre é uma forma idealizada daquela vida. Uma forma que opta, como nas melodias das modas e pagodes da música caipira, por dar certa graça e floreio ao murmúrio harmônico da natureza e à simpatia dos camponeses.


Na imagem, o artista conta aspectos dessa vida. Reúne figuras que parecem ser representativas de lá. Talvez por isso Neves tenha pensado uma maneira tão original de nos mostrar como eram aqueles lugares. Em vez de se dedicar a pintar paisagens, formas em perspectiva, ou inserir os animais e as coisas em cenários reconhecíveis, ele os reúne uma série de figuras isoladas em planos regulares e coloridos, distintos uns dos outros. A articulação entre tais formas de cor é que dá unidade à pintura.


Em um dos trabalhos mais fortes, o artista pinta faixas coloridas horizontais representando partes diferentes da paisagem campestre. Uma faixa azul, outra ocre, outra rosa, outra num bege cor de areia e uma azulada, que não chega nem à margem direita nem à esquerda da pintura. No topo, o azul esbranquiçado é o céu. Abaixo, linhas simples sugerem o campo, a plantação, os elementos vegetais. Na terceira faixa, pontos azuis formam círculos decorativos sobre uma base rosada. Qual um campo florido e perfumado. O jardim tem por vizinhança um vilarejo, que acaba quando começa um lago, ou uma forma branca azulada.


Embora todos os elementos de uma paisagem estejam na tela, o quadro não organiza a imagem como uma vista da natureza. Na pintura de paisagem da tradição europeia, a imagem tenta descrever essa visão. Organizá-la de um ponto de vista específico. Assim, artistas como Constable e Ruysdael decidem a distância entre o céu e a terra, a cor e o modo de pincelar cada elemento para que ele forme uma imagem íntegra, o mesmo ponto de vista, organizado no espaço perspectivo.


Neves Torres reúne elementos soltos dessa paisagem. A pintura agrupa as folhas em formas planas. As folhas podem ser de vários lugares. Estão juntas não por reconstruir um lugar qualquer, mas por trazer à lembrança um sentido da vida que parece estar presente em todos esses lugares.


Não é por acaso que o colorido é tão forte. Ele dá individualidade a cada figura, mas também traz a esses elementos uma dimensão fantasiosa. O pintor encaixa esses cacos de cor como se arranjasse um espaço desejável. Neves Torres encontrou um modo de colocar tudo isso no mesmo lugar. De reunir elementos que viu em lugares diferentes e fazê-los tão bonitos.


Na década de 1960, a gravação de Belmonte e Amaraí de “Saudade da minha terra”[1], composta por Goiá e Belmonte, fez muito sucesso. A música, como as pinturas de Neves Torres, construía a imagem do campo como um lugar calmo. E afirma a beleza como a calma.


Em tom contrariado, mas resignado, Belmonte cantou a desilusão das promessas da cidade diante das belezas e prazeres simples do campo. Começava perguntando “De que me adianta, viver na cidade,/ Se a felicidade não me acompanhar”. E seguia enumerando as belezas da roça. A voz chorosa falava com saudade de “Ver na madrugada, quando a passarada,/ Fazendo alvorada, começa a cantar,/ Com satisfação, arreio o burrão,/ Cortando o estradão, saio a galopar;/ E vou escutando o gado berrando,/ Sabiá cantando no jequitibá”. Ou do “galo cantando,/ O inhambu piando no escurecer,/ A lua prateada, clareando as estradas,/ A relva molhada desde o anoitecer”. A saudade é tanta que, no fim da canção, os cantores afirmam que voltaram para aquele lugar que abandonaram e do qual nunca deviam ter saído.


Neves Torres, que viveu em tantos lugares diferentes, deve sentir falta de muitas das coisas que ele coloca na tela. Parece também identificar a beleza nessas alegrias da vida simples. Bela é essa relação harmônica com a natureza e suas alegrias. Assim, embora idealizada, a imagem não é de um lugar melhor que o mundo em que vivemos, mas de um lugar onde o que existe de mais bonito se encontra.


Diferentemente da canção, no entanto, esse lugar não existe, ou não existe mais. Provavelmente o campo que ficou para trás já não é mais o mesmo. O artista pode mostrar a nós todas as belezas enumeradas pela música, por exemplo. Na pintura, contudo, essas belezas nunca vão embora. Mais que isso, encontram-se com todas as outras em uma malha de cores.


 


 Tiago Mesquita.




[1] “Saudade da minha terra” (Goiá e Belmonte):


De que me adianta viver na cidade/ Se a felicidade não me acompanhar/ Adeus paulistinha do meu coração/ Lá pro meu sertão eu quero voltar/ Ver a madrugada quando a passarada/ Fazendo a alvorada começa a cantar/ Com satisfação, eu arreio o burrão/ Cortando o estradão, eu saio a galopar/ E vou escutando o gado berrando/ Sabiá cantando no jequitibá// Por Nossa Senhora, meu sertão querido/ Vivo arrependido por ter te deixado/ Essa nova vida aqui na cidade/ De tanta saudade eu tenho chorado/ Aqui tem alguém, diz que me quer bem/ Mas não me convém, eu tenho pensado/ Eu vivo com pena, pois essa morena/ Não sabe o sistema que eu fui criado/ Tô aqui cantando, de longe escutando/ Alguém está chorando com o rádio ligado// Que saudade imensa do campo e do mato/ Do nosso regato que corta as campina/ Aos domingo eu ia passear de canoa/ Nas lindas lagoas de águas cristalinas/ Que doce lembrança daquela festança/ Onde tinha dança e muitas meninas/ Eu vivo hoje em dia sem ter alegria/ O mundo judia mas também me ensina/ Eu tô contrariado, mas não derrotado/ Eu sou bem guiado pelas mãos divinas// Pra minha mãezinha já telegrafei/ E já me cansei de tanto sofrer/ Essa madrugada estarei de partida/ Pra terra querida que me viu nascer/ Já ouço sonhando o galo cantando/ O inhambu piando no escurecer/ A lua prateada clareando as estradas/ A relva molhada desde o anoitecer/ Eu preciso ir pra ver tudo ali/ Foi lá que eu nasci, lá quero morrer.


 

RELEASE

Neves Torres, nasceu em Conselheiro Pena- MG , em 05 de agosto de 1932.


Viveu a sua infância em pequenas cidades do interior de Minas: Conselheiro Pena, Mantena, morando também na zona rural.


Em 1949, mudou-se para Mutum – MG. Trabalhou como mecânico, motorista, tratorista até comprar um pequeno sítio. Nesse sítio como lavrador, plantava café e cultura de subsistência. Lembranças dessa fase da sua vida, estão hoje retratadas em sua obra.


Em 1963 ficou viúvo e deixou o sítio, voltando a morar com os filhos em Mutum, onde voltou a trabalhar como tratorista.


Trabalhou vários anos em fazendas da região até decidir mudar para Vitória- ES. Morando em Vitória,  trabalhou com serralheria por um período e depois, voltou ao ofício de tratorista. Nessa profissão, ficou até se aposentar.


Depois de se aposentar, procurou  uma atividade nova para se distrair. Num grupo de amigos, algumas  pessoas faziam pintura em tecido. Resolveu experimentar e pintou alguns panos de prato.


Um dia comentou com seu filho que tinha vontade de pintar tela. Seu filho se propôs a ensiná-lo, e depois de pintar dois quadros com seu filho, começou a pintar sozinho, em 2007. E desde o início mostrou uma maneira muito pessoal de pintar.


Em 2008,  enviou seus trabalhos para a Bienal Naif  de Piracicaba e na sua primeira participação foi um dos artistas selecionados, tendo seu trabalho no catálogo da Bienal.


Dois anos mais tarde, 2010,  participou novamente da Bienal Naif e desta vez recebeu o prêmio de aquisição.