em cartaz
13.11.2025 a 23.12.2025
Rua Ferreira de Araújo, 625 - Pinheiros CEP 05428-001 São Paulo - SP, Brasil | São Paulo - Brazil

INTRODUÇÃO

Escrever meu texto de apresentação sobre o Silva é um prazer e uma dificuldade. Já escrevi alguns, sempre contando como conheci a obra e o artista. Mas esta exposição – a segunda do artista que organizo na Galeria Estação, traz novamente a curadoria de Paulo Pasta – compreende um motivo novo, pois comemora a itinerância de uma mostra que começou em março passado, no Musée de Grenoble, na França, e que deu início à temporada do Ano Cultural Brasil-França 2025, com uma programação extensa, dedicada não apenas às artes visuais brasileiras, mas também à música, ao cinema, à literatura, ao circo, ao teatro e à dança, entre outras manifestações, até 30 de setembro, em diferentes cidades do país europeu.

Essa mesma exposição, intitulada José Antônio da Silva: Pintar o Brasil, com curadoria do espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, esteve na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, por três meses, desde agosto passado. E agora, em 15 de novembro, a mostra chega ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, acrescida de trabalhos pertencentes ao acervo da instituição paulistana.

A fim de contribuir para esse momento de visibilidade e festejo da obra do Silva, a Galeria Estação abre uma exposição com obras de seu acervo e dos seguintes colecionadores: Andre Mastrobuono, Breno Krasilchik, Gustavo Rebello, Ladi Biezus, Marcelo Noschese, Mauricio Buck e Orandi Momesso.

Assim, convidamos todos para visitar as duas mostras em cartaz em São Paulo, para que vejam obras pouco ou jamais apresentadas na cidade de um dos principais artistas brasileiros do século XX, o Silva.

Vilma Eid

curador

Eu sou o Silva


Desde Van Gogh, todos nós somos pintores autodidatas, quase primitivos.


Como a tradição quase se afundou no academicismo, precisamos recriar uma linguagem inteira.
E todo pintor do nosso tempo é capaz de recriar essa linguagem de A a Z.


Nenhum critério a priori pode ser aplicado, uma vez que regras fixas não existem mais.


Pablo Picasso1


Nessa citação que tomo como epígrafe, Picasso aponta Van Gogh como exemplo de grande desbravador da arte moderna, e não por acaso, são dois dos artistas mais admirados pelo pintor José Antônio da Silva. Aliás, ele considerava-se, junto a estes, o terceiro gênio da trinca. Exageros à parte, penso que a inteligência e a intuição de Silva muito bem compreenderam, desde cedo, os preceitos da referida sentença, mesmo que ele não a tivesse conhecido.


Silva hoje existe em uma posição e reputação muito diferentes daquelas que ocupava décadas atrás. Vários fatores contribuíram para isso. O mais importante talvez seja o sentido que sua obra continua a fazer para o nosso tempo e para as novas gerações. Ele não se transformou em um artista datado. Seu trabalho continua a ganhar cada vez mais novas interpretações, revisões, exposições. Sua pintura não murchou com o tempo. Ao contrário. Essa revisão positiva que a atualidade faz de seu legado confirma o lugar que lhe é devido como grande pintor brasileiro, um daqueles que melhor contribuíram para “pintar o Brasil”. (Não à toa, a importante exposição sua, realizada neste ano, com itinerância nacional e internacional, ganhou o nome de Pintar o Brasil, dado por Gabriel Pérez-Barreiro, seu curador.)


Penso também que a presente voga artística – às vezes nomeada de “identitária”, com seu apelo a uma expressão que ajudou a dar visibilidade a narrativas, linguagens e estéticas marginalizadas – autorizou nosso momento atual a reencontrar sua pintura e a lhe atribuir significados mais atuais. Não que eles já não existissem, eles sempre estiveram lá. Mas cada época, como sabemos, sempre atribui novos sentidos à realidade.


Assim, como penso que essa onda o favoreceu, penso também que as características imanentes de seu trabalho puderam também ficar, pelas suas diferenças, mais visíveis. Talvez a mais clara esteja ligada ao fato de que Silva nunca desejou que sua pintura pudesse ser apenas algo próximo ao registro de uma circunstância, ou que possuísse apenas um caráter documental e estratégico. A sua ligação com o real é também invenção, fabulação, e poesia. O passado, sua matéria, é convertido permanentemente em invenção viva. Mesmo naquelas pinturas em que as denúncias e críticas são mais evidentes, Silva nunca abandonou o entendimento do “como” está pintando: a consciência da construção do quadro como o fator mais importante.


O que quero dizer é que Silva, à sua maneira, internalizou certos pressupostos do modernismo brasileiro, onde forma e conteúdo não se separariam sem arruinar a noção de totalidade e harmonia do conjunto. O “quê” pintar teria que estar sempre acompanhado do “como” pintar, e se aí pudemos enxergar um horizonte cézanniano, mesclado – como em Picasso – a uma influência talvez não consciente da arte africana – por parte do brasileiro –, isso não pareceria exagero. Ele sempre submeteu seus motivos a uma síntese formal, construiu com eles um sistema autônomo e ambíguo, bem distante de um simples registro do visível, razões essas que só confirmariam a fragilidade da designação “primitivo”, incompatível com a força com que transformou vivência em linguagem pictórica. Parece-me, então, que para ele importante não era pintar a vida da natureza, mas tornar viva a própria pintura.


No prefácio do romance Maria Clara, de autoria do próprio Silva, Antonio Candido escreveu que, quanto mais o pintor quis dar contornos precisos ao real, mais a fantasia explodia. Portanto, realidade e imaginação – em Silva – não poderiam estar separadas sem prejudicar a compreensão integral de seu trabalho, sem comprometer a noção plena de forma. Essa espécie de real fantástico o salvaria também de ser um pintor de simples usos e costumes, mesmo sendo seu tema recorrente a vida no campo: a demanda do trabalho pesado e constante, as lembranças de uma meninice fabulosa, tempo em que a cultura caipira ainda existia como um sistema coeso, a salvo da ordem de despejo do progresso.


Como já afirmei uma vez,2 talvez o único progresso que interessaria a Silva seria o progresso interno da própria obra, a compreensão do ritmo transformador da vida, circunstância esta que beneficiou seu trabalho com a qualidade de um devir permanente. Também por isso, e por ter vivido isso, Silva tornou-se o maior intérprete da metamorfose da paisagem rural brasileira: a substituição da mata nativa pela lavoura, evento ao mesmo tempo real e trágico, que ele soube transfigurar em imagens tocantes e em representações teatralizadas, uma espécie de antipaisagem, cenário onde vida e morte encenam seu drama eterno.


Às vezes também acredito que essa nova consciência ecológica que o mundo ganhou, a constatação do perigo permanente de uma tragédia climática pela destruição do meio ambiente, pode ter aportado novos sentidos ao seu trabalho. Mas gostaria de reiterar: essa grandeza a ser percebida em sua pintura nunca seria uma ação puramente retórica. Ela teria que alcançar tal dimensão primeiro pela sua autonomia plástica. Aliás, penso que procedendo assim, utilizando somente os meios próprios do pintor, essa provável denúncia pode ganhar uma força ainda maior.


Quando fiz a primeira curadoria da obra de José Antônio da Silva na Galeria Estação, em 2009, dei-lhe o título: “Nasci errado e estou certo”, frase sua, que li em um texto reproduzido por Romildo Sant’Anna. Naquele momento, essa sentença me pareceu muito acertada para designar um pintor e uma obra que, ao meu ver, estariam ainda um pouco ofuscados por rotulações precipitadas, por uma compreensão dependente das críticas passadas que o colocavam como um pintor primitivo, quase um outsider em relação ao panorama da nossa história. Estou quase certo também de que esse entendimento um pouco redutor da sua obra muito se deveu ao próprio Silva, que muitas vezes assim se autodenominou, aceitando-se como o artista que o meio queria ver.


Ao escolher essa sua frase paradoxal, busquei também situar seu trabalho em uma ótica diversa, acreditando que em arte as designações precipitadas, as hierarquias e etiquetas, de pouco valem para iluminar o sentido de uma obra.


Elegi como nome desta exposição atual a frase sempre repetida pelo artista, “Eu sou o Silva”. Diferente do título dado anteriormente, esse, sem ambiguidades, procura sinalizar o que seria, para mim, a nova posição que ele passa a ocupar na atualidade. É uma exclamação, e seria, para mim, uma espécie de afirmação e reiteração do seu lugar atual.


Ele gostava muito de se apresentar assim, repetindo seu sobrenome – o mais comum e popular dentre os sobrenomes brasileiros –, marcando deste modo sua presença. No lindo documentário realizado por Carlos Augusto Calil3 sobre o pintor, várias vezes assistimos a este repetir tal frase, com um sentido inequívoco de autoafirmação: “Quem não conhece o Silva? O Silva sou eu!”, “Silva é a vida rural” [...], “A natureza é meu Deus e eu sou o Silva!”.


Lidas rapidamente, essas frases parecem sugerir que ele poderia estar se dando ares de ser a voz da natureza e seu intérprete. Mas penso que, nesse contexto, não existia pretensão. Penso mais em um sentimento de júbilo, nascido do reconhecimento da origem de sua poesia e inspiração. Elas poderiam também servir de legenda à sua autodeterminação, seu desassombro em realizar uma obra a pelo, sem a salvaguarda de qualquer formação.


Seu trabalho, como em grande parte dos mestres, o supera e está à sua frente, e, a exemplo destes e também por esse ensejo, parece querer reinventar a pintura. O que quero dizer é que ele aprendeu com ele mesmo. Uma ética e uma estética de quem absorveu a dura lição do trabalho e da sua experiência, e logrou dar forma e expressão a isso.


Esta exposição não tem a pretensão de abranger a totalidade dos temas e conteúdos do trabalho do pintor. Mesmo porque isso seria uma tarefa mais apropriada aos museus e aos historiadores. Mas tem a ambição de mostrar a todos alguns aspectos importantes de sua produção, sem privilegiar datas ou períodos, por meio de pinturas caprichosamente escolhidas. Espero que elas possam atestar a grandeza dessa obra, para além de reativar nossa experiência de pertencimento, lembrando que sofisticação, qualidade e origem popular, podem – e devem – coexistir na história da arte.


Paulo Pasta


Notas
1. Françoise Gilot e Carlton Lake. A minha vida com Picasso. São Paulo: Samambaia, 1980.
2. Texto meu para o catálogo Nasci errado e estou certo. São Paulo: Galeria Estação, 2009.
3. Quem não conhece o Silva. Documentário filmado por Carlos Augusto Calil. São Paulo, 1979.


 

RELEASE

Obras de José Antônio da Silva chegam a São Paulo em duas novas exposições depois de passar por Grenoble-França e Porto Alegre


Na galeria Estação, a mostra homenageia o artista com obras do próprio acervo e de diversos colecionadores. Já o Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP) recebe exposição apresentada na França, com outras 15 pinturas e desenhos


A galeria Estação abre dia 13 de novembro (quinta-feira) a exposição Eu sou o Silva, com curadoria de Paulo Pasta, festejando o artista José Antônio da Silva num momento de grande destaque das suas obras, que tiveram a primeira mostra monográfica europeia no Museu de Grenoble, na França, de abril a julho, como parte da Temporada Brasil-França 2025. Em São Paulo, “o Silva”, como era conhecido, também estará numa grande mostra no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), a partir de 15 de novembro (sábado), com 142 obras, parte delas apresentada em Grenoble, além de outras 15 pinturas e desenhos (exibidos em partes) do livro do artista: “Romance da minha vida”.


A exposição Eu sou o Silva – a segunda do artista organizada pela galeria Estação – reúne 26 obras das décadas de 1940 a 1980, que pertencem ao acervo próprio e às coleções de Andre Mastrobuono, Breno Krasilchik, Gustavo Rebello, Ladi Biezus, Marcelo Noschese, Mauricio Buck e Orandi Momesso. Para Vilma Eid, fundadora da galeria Estação, é um momento de celebrar o artista nessa itinerância iniciada em março, na França, passando depois, por Porto Alegre, com a exposição José Antônio da Silva: Pintar o Brasil, que teve curadoria do espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, na Fundação Iberê Camargo, em agosto. Essa visibilidade é trazida também a São Paulo, onde a galeria abre as portas para mais uma oportunidade de contemplar obras icônicas, algumas inéditas, da carreira do Silva, um dos principais artistas brasileiros do século 20.


Nascido no interior paulista, no sítio Monte Alegre, pertencente ao município de Sales de Oliveira, José Antônio da Silva começou a pintar em 1940. Suas primeiras obras foram em cenário agrícola, onde convivia com a família. Ele reproduziu com maestria as culturas de algodão, as queimadas, a casa de pau-a-pique, a boiada, e o lazer na roça. “A própria natureza já é um artista”, declarava o Silva.


Escultor, escritor, músico, e de elevadíssima autoestima, Silva se valorizava como criador da sua arte e ainda mais pela sua vida, sua brasilidade. “Eu sou o Silva” era uma frase repetida constantemente pelo artista, conforme conta o curador Paulo Pasta, numa demonstração de afirmação do seu lugar no mundo, repetindo seu sobrenome, o mais comum e popular dentre os sobrenomes brasileiros.


Daí, a escolha da denominação da mostra, segundo o curador, que relembra frases do artista extraídas do documentário Quem não conhece o Silva, realizado por Carlos Augusto Calil, em 1979. “Quem não conhece o Silva? O Silva sou eu!”; “Silva é a vida rural”; “A natureza é meu Deus e eu sou o Silva!”.


Paulo Pasta destaca que esta exposição não tem a pretensão de abranger a totalidade dos temas e conteúdos do trabalho do pintor. “Mas tem a ambição de mostrar a todos alguns aspectos importantes da sua produção, sem privilegiar datas ou períodos, por meio de pinturas caprichosamente escolhidas. E que elas possam atestar a grandiosidade do trabalho, reativando nossa experiência de pertencimento, lembrando que sofisticação, qualidade e origem popular, podem – e devem – coexistir na história da arte”.


José Antônio da Silva: Pintar o Brasil


A exposição no Museu de Arte Contemporânea (MAC) é mais uma etapa da itinerância da mostra iniciada em Grenoble, na França, sob a curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro, e que passou também pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre-RS, no período de agosto a novembro. Em São Paulo, além das obras selecionadas nas duas mostras anteriores, serão exibidas outras, selecionada em conjunto com Fernanda Pitta.


A mostra José Antônio da Silva: Pintar o Brasil faz parte da programação da Temporada Brasil-França 2025, realizada com patrocínio da Petrobras e do Banco do Brasil, e apoio do Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura – Lei Rouanet. Dentre as 142 obras expostas, estão dezenas que figuram entre as mais destacadas da produção do artista, oriundas dos acervos de Ciccillo Matarazzo e do poeta, colecionador e crítico de arte Theon Spanudis. Há peças de outros acervos diversos, tanto de colecionadores como de coleções públicas.


Serviço


Eu sou o Silva
Galeria Estação
Endereço:
Rua Ferreira de Araújo, 625 – Pinheiros-SP
Abertura: 13 de novembro – 18h
Período expositivo: 13/11 a 23/12
Horário de funcionamento: terça a sexta-feira – 11h às 19h | sábados: 11h às 15h
Entrada gratuita
 


Serviço MAC-USP


José Antônio da Silva: Pintar o Brasil
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC-USP
Endereço:
Av. Pedro Álvares Cabral, 1301
Abertura:
15 de novembro – 11h
Período expositivo: 15/11/2025 a 15/03/2026
Horário de funcionamento: terça a domingo – 11h às 21h
Entrada gratuita


 


 


 


 


 

CATÁLOGO

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