A DANÇA DOS MITOS | OGWA E SALMI (AVÔ E NETA)

encerrado
18.06.2024 a 27.07.2024
Rua Ferreira de Araújo, 625 - São Paulo/SP/Brasil - 05428001 | São Paulo - Brazil

CENOGRAFIA

INTRODUÇÃO

Ogwa e Salmi

Hervé Chandès, querido amigo, diretor da Fondation Cartier, me apresentou o Fredi Casco e o Fernando Allen. Eles fazem um maravilhoso trabalho pelos indígenas do Paraguai na região do Chaco.
Vi várias obras na exposição Siamo Foresta, apresentada pela Triennale di Milano e pela Fondation Cartier pour l'Art Contemporain, em Milão, e constatei a qualidade estética excepcional! Conhecemos muito pouco da cultura dos nossos vizinhos paraguaios.
Já em São Paulo, em uma reunião na Estação, Fredi me apresentou o trabalho histórico do Ishir Ogwa, já falecido, e de sua neta Salmi. Meu entusiasmo foi imediato. Propus que juntos apresentássemos ao público brasileiro avô e neta, ainda desconhecidos por aqui.
Convido todos para um mergulho na cultura visual dessa família ishir, paraguaia.

Vilma Eid

curador

A DANÇA DOS MITOS
Ogwa e Salmi 
Avô e neta

“O passado é como uma profundeza onde a lenda se reduz a um grito. Quando comparada à experiência humana, a era cristã é apenas um breve momento, como um cílio perdido no olho do tempo.”
Pascal Quignard

“E o silêncio que envolve as palavras sempre se encontra carregado de imagens.”
Ticio Escobar

O Dust Devil errático atravessa a rua principal de Pohir Kahir (árvore labão), impelido pelos calorosos ventos que preenchem o fim da tarde na pequena comunidade ishir. Embora essas “palavras antigas” ainda remontem à memória coletiva da comunidade aquele lugar situado nos confins do Grande Chaco paraguaio, a anacronia logo se dissolve junto ao redemoinho endemoniado de poeira, que se perde entre as árvores que separam o povoado do rio Paraguai. De repente, como numa miragem quebrada pelos últimos raios de sol, o local adquire outro nome, já não mais ishir. Agora é chamado de Puerto Diana.
No tempo primordial, as palavras foram instituídas pela grande deusa Ashnuwerta e pelos Anabsoro, os deuses que emergiram da terra e do rio, trazendo consigo "a cultura", como os ishir às vezes denominam seus rituais. Tudo o que é nomeado por essas palavras antigas é profundamente tocado por um outro significado, que sempre escapa a nós, ocidentais. Até a imagem porque, como em muitas culturas, os ishir usam ambas - palavra e imagem - para expressar as diversas formas do sagrado. Esses deuses, ao criar a palavra, propiciaram a expressão do mito fundador de sua sociedade. Faltava apenas torná-lo visível, transformá-lo em imagem através do rito. No entanto, como observado por Ticio Escobar, “...tanto o mito quanto o rito operam de maneira distinta, cada um empregando seus recursos retóricos específicos: enquanto um trabalha com palavras, o outro se vale das imagens. Por isso, cada um por si só evoca significados distintos”. Daí a extrema complexidade da abordagem.
A chegada do homem branco trouxe consigo a apropriação de suas terras e a tentativa de abolir as palavras e formas mais primordiais. Um etnocídio lento e silencioso. Apesar disso, alguns rituais, especialmente o Debylyby, a grande cerimônia ishir, ainda que agonizantes em suas energias e cores que os formam, sobreviveram, quase secretamente, primeiro no coração da selva do Chaco, e posteriormente, recuperados em algumas comunidades ribeirinhas ebytoso do Alto Paraguai, onde a evangelização fundamentalista vinha causando estragos de aculturação, entre outras calamidades. Desde então, de tempos em tempos, os deuses voltam a ser visíveis através dos homens que representam/encarnam o poder numinoso de suas vozes, de seus sons e do fulgor de suas formas extraordinárias. Então a verdade sagrada é revelada como um relâmpago, e ilumina - às vezes, mesmo que apenas por um instante - a cena primordial. Ogwa (circa 1937-2008), batizado pelos homens brancos como Flores Balbuena, buscou sobreviver entre esses mundos tão distantes um do outro: o das formas primordiais que conectavam os ishir aos seres da Terra e do firmamento; e um novo mundo subjugado, explorado até à exaustão por um neocolonialismo extrativista, sem precedentes naquele território.
Como informante da grande antropóloga Branislava Susnik e de outros estudiosos da cultura ishir, entre meados e finais do século passado, ele teve a importante tarefa de transmitir as histórias e práticas que revelam a riquíssima cosmogonia, que também sustentam todo o complexo tecido social e cultural de seu povo. E ele o realizou tanto através de detalhados relatos orais como através de requintados desenhos, sendo seu caso, nas palavras da antropóloga Ana María Spadafora, "a primeira expressão plástica figurativa de um povo cujas manifestações criativas tradicionais se cifraram em motivos abstratos e ligados à pintura corporal". A sofisticação formal de seus desenhos - e dos relatos contidos neles -, finalmente determinou que sua obra fosse aceita pelos cânones do circuito ocidental, não mais como parte de arquivos de memórias ou de informes etnográficos, mas como expressão artística por direito próprio. Ficamos então com um legado extraordinário, inestimável até hoje.
Salmi López Balbuena (1982), neta de Ogwa, hoje transita pelas ruas empoeiradas de Puerto Diana. Com seu avô ela aprendeu a desenhar, enquanto ouvia suas histórias sobre deuses e xamãs. De fato, suas primeiras obras recordam certos padrões estéticos ligados aos de Ogwa. No entanto, com o tempo, ela adquiriu um ponto de vista próprio, sem romper as histórias e tradições ligadas ao universo espiritual e religioso dos ishir. Entre suas pinturas recentes, carregadas de dramaticidade, movimento e cores intensas, começaram a aparecer em seu repertório, por exemplo, potentes representações monocromáticas de xamãs, daqueles que viajam através da noite dos tempos até os confins da Terra. Salmi, assim como seu avô, se vale da imagem para evitar que, como o Dust Devil, o grande redemoinho mítico criado pelos deuses ao nascer da Terra, se dissipe no vento e no esquecimento.

Fernando Allen e Fredi Casco
Curadores

RELEASE

Galeria Estação apresenta a primeira exposição internacional composta de obras de Ogwa e Salmi López Balbuena, expoentes da arte indígena paraguaia

Com curadoria de Fredi Casco e Fernando Allen e catálogo assinado pelo crítico Ticio Escobar, a mostra A Dança dos Mitos – Ogwa e Salmi, avô e neta estabelece, por meio de desenhos e pinturas em acrílico, conexões geracionais preservadas pela cosmogonia, pelos ritos e mitos do povo Ishir.

Com abertura em 18 de junho e visitação até 27 de julho de 2024, a exposição A Dança dos Mitos – Ogwa e Salmi, avô e neta apresenta ao público paulistano uma série de seis desenhos-pinturas do artista indígena paraguaio Ogwa (cerca de 1937-2008) e 35 pinturas de sua neta, Salmi López Balbuena (1982), expoentes da arte indígena do povo Ishir, comunidade situada em Puerto Diana, às margens do rio Paraguai e ao norte do Gran Chaco. Primeira grande exposição internacional a estabelecer diálogos entre as poéticas de Ogwa e Salmi, a mostra, realizada pela Galeria Estação no ano em que comemora duas décadas de atuação, também evidencia conexões geracionais permeadas pela ancestralidade ishir.

“A importância da obra de Ogwa começa quando ele foi um informante da conhecida antropóloga húngara Branislava Susnik, nos anos 1950. Provendo relatos da cosmogonia, dos ritos e dos mitos, em relatórios também acompanhados de seus desenhos, com o tempo Ogwa tornou-se o primeiro indígena reconhecido como um artista contemporâneo no Paraguai. Salmi, que cresceu com o avô, suas histórias e seus relatos, também aprendeu a desenhar com ele. A diferença entre a arte do avô e a da neta é que Salmi foi trabalhando com um olhar próprio, que agregou a pintura acrílica, as cores e os movimentos, mas a história é a mesma: dos relatos, das iniciações da cultura ishir através dos mitos, dos ritos e das cerimônias desse mundo ishir do Alto Paraguai”, explica Fredi Casco, que divide a curadoria com Fernando Allen. 

Ex-ministro da Cultura do Paraguai e fundador do Museu de Arte Indígena do Paraguai, com mais de vinte livros publicados sobre teoria da arte e da cultura, o crítico e curador Ticio Escobar, que assina o catálogo de A Dança dos Mitos – Ogwa e Salmi, avô e neta, defende que as criações de Ogwa constituem uma figuração vigorosa e sem paralelo “nem na sua própria cultura nem na arte do Ocidente”.  Entre as mostras mais relevantes de suas obras, destacam-se Mémoires Vives – 30 anos da Fondation Cartier, em 2014, em Paris; El cielo Ishir: Relatos cosmogónicos del Chaco Paraguayo, organizada em conjunto com a  Embaixada do Paraguai na Espanha, no Museo de América em Madri, em 2023; e  El legado de Ogwa,  no Centro Cultural del Lago, em Assunção, em 2024.

“O amplo conhecimento de Ogwa sobre o mito e o ritual ishir, aliado às suas experiências e movido por uma imaginação maravilhosa e um grande talento pessoal, levaram-no a inaugurar seu próprio gênero dentro das artes visuais do nosso país, cujo acervo é enriquecido com novas energias, diferentes pontos de vista e outras formas de abordar a representação. (...) Ogwa falava longamente, como fazem os Ishir, e ilustrava ao mesmo tempo, o que resultou em centenas de desenhos que, a dada altura, começaram a ser feitos fora da informação etnográfica e coloridos sem perder a referência determinante da linha. Assim, incentivados pelo mercado de arte e pelos caprichos da criação, seus desenhos ganharam autonomia e viraram pinturas ou, melhor, desenhos-pinturas”, explica Escobar.

Impactada com a exposição Siamo Foresta, mostra apresentada na Trienal de Milão de 2023 reunindo obras de 27 artistas de comunidades indígenas de diferentes países da América Latina, Vilma Eid, sócia-fundadora da Galeria Estação, teve também o primeiro contato com os curadores que, agora, apresentam o conjunto de obras selecionadas para a exposição A Dança dos Mitos – Ogwa e Salmi, avô e neta.

“Hervé Chandès, querido amigo, diretor da Fondation Cartier, instituição cultural francesa que tem em seu acervo as obras de Ogwa, me apresentou a Fredi Casco e Fernando Allen. Eles fazem um maravilhoso trabalho pelos indígenas do Paraguai, na região do Chaco, e conhecemos muito pouco da cultura dos nossos vizinhos. Já em São Paulo, em uma reunião na Estação, Fredi me apresentou o trabalho histórico de Ogwa e de sua neta, Salmi. Meu entusiasmo foi imediato. Propus que juntos apresentássemos ao público brasileiro avô e neta, ainda desconhecidos por aqui. Convido a todos para um mergulho na cultura visual dessa família ishir”, conclui Vilma.  

Sobre a Galeria Estação
Inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp, a Galeria Estação consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não erudita, com atuação decisiva para a inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco da Estação também conquistou a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições Histoire de Voir, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França), em 2012, e da Bienal Entre dois mares – São Paulo | Valencia, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual Veio – Cícero Alves dos Santos, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, os artistas da galeria também têm suas obras em acervos de importantes colecionadores e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (SP), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (SP), o Instituto Itaú Cultural (SP), o Sesc São Paulo, o MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.


 


Sobre Fredi Casco 
Fredi Casco é artista visual, poeta, curador e documentarista. É o atual diretor artístico da Fundação Texo de Arte Contemporânea, de Assunção. Suas obras fazem parte de coleções permanentes de instituições como a Fundação Cartier para Arte Contemporânea, de Paris, na França; o Museu Metropolitano de Arte, de Nova York, e a Fundação Kadista San Francisco, nos Estados Unidos; o Museu do Banco da República, de Bogotá, na Colômbia; e o Museu da Lama, em Assunção. 


 


Sobre Fernando Allen 
Fotógrafo, editor e gestor cultural no Paraguai, atua desde 1984. Fundou, em 1986, a Photosíntesis, a primeira galeria de fotos do país, que também atua como editora desde o início dos anos 1990, produzindo e editando, até o momento, mais de quarenta livros. Como fotógrafo, participou de mais de cinquenta exposições individuais e coletivas no Paraguai, Brasil, Argentina, Bolívia, EUA, Porto Rico, Caribe, Espanha e Portugal.

Sobre Ticio Escobar
Conhecido e respeitado mundialmente nos meios intelectuais,Ticio Escobar é curador, professor e promotor cultural. Atuou como presidente da Associação de Comunidades Indígenas do Paraguai, diretor de Cultura de Assunção e ministro da Cultura do Paraguai, de 2008 a 2013. Foi diretor de Cultura do Município de Assunção, entre 1991 e 1996, e é presidente do Capítulo Paraguaio da Associação Internacional de Críticos de Arte. Recebeu diversas honrarias, entre as quais o Prêmio Bartolomé de las Casas por seu apoio às causas indígenas nas Américas. Atualmente, é diretor do Centro de Artes Visuais Museu del Barro, de Assunção.

SERVIÇO
A Dança dos Mitos – Ogwa e Salmi López, avô e neta
De 18 de junho a 27 de julho de 2024
Abertura: terça-feira, 18 de junho de 2024, das 18 às 21h

Galeria Estação
Rua Ferreira Araújo, 625 – Pinheiros, São Paulo


Visitação:  de segunda a sexta-feira, das 11h às 19h. Aos sábados, das 11h às 15h. Entrada gratuita.

CATÁLOGO