Eduardo Ver teve alguns "padrinhos" para esta exposição.
Chamo de padrinhos, por exemplo, Bené Fontelles, autor do texto para o catálogo, e Sérgio Lucena, artista e admirador da obra do Ver, que passaram um tempo insistindo para que eu prestasse atenção na obra dele. Eu a vi ao vivo, pela primeira vez, em uma mostra coletiva no Paço das Artes, em São Paulo, Modernismo desde aqui, com curadoria do Claudinei Roberto.
A força do trabalho me pegou!
A obra era corajosa, de grandes dimensões, símbolos que logo me fizeram lembrar do querido Samico, mas com linguagem autoral.
O texto do Bené Fontelles vai contar a vocês sobre o Ver.
Convido-os para uma visita a esta primeira individual do Eduardo Ver, na Galeria Estaç?o. Tenho certeza de que vocês ouvirão falar muito dele no mundo das artes.
Vilma Eid
Os extraordinários terreiros imaginários de Ver
Raros criadores dedicados à gravura no Brasil trabalham com tanta lealdade a uma iconografia mitopoética como Eduardo Ver, há duas décadas, com árduo afinco e rara artesania. Somente Gilvan Samico, partindo da influência ibérica sobre a cultura nordestina do cordel e sendo artista fundamental do Movimento Armorial criado por Ariano Suassuna, produziu uma obra tão bela e vasta, complexa e extraordinária, nos alumbrando para sempre o imaginário.
Eduardo Ver parte, por gosto e fé, do universo diverso e sincrético da Umbanda para cada gravura compor um altar de símbolos e vibrações intensas como se cada obra fosse um “ponto riscado”, que em sua religião forma as logomarcas poéticas que ancoram a força e magia dos orixás e caboclos que descem, sagrados e profanos, nos tantos terreiros do Brasil.
A força gráfica da obra de Eduardo não provém apenas do solo sagrado que pisa para nos envolver com narrativas de sua vasta cosmovisão desses terreiros imaginários, mas revela e vela mundos ainda tão desconhecidos nos quais entidades da Umbanda trafegam e incorporam a Alma da Terra Brasileira.
Eduardo Ver tem pertencimento e fundamento nos sincretismos e mestiçagens originados dos Orixás, emanando a memória dos ancestrais e as forças primordiais da natureza que atravessaram com seu povo, na dor dos esquecimentos, as águas do Atlântico. Sua obra visita ainda o mundo místico cristão, bebe na mitologia indígena e deságua no universo caboclo, dos pretos velhos e da linha do Oriente, para nos formar um Brasil plural, tão verdadeiro quanto negado pelos que ainda não honram uma cultura que nos dá força, raiz e rara originalidade.
Somente uma gravura de Eduardo já contém universos paralelos, múltiplos e com uma força que não é só expressiva pela estética, mas também pela energia que emana de cada campo vibracional que compõe e recompõe mundos. Lembra-me o ofício espiritual dos monges budistas do Tibete ao fazerem pacientemente as thangkas, suas mandalas de areia e pigmentos sobre o chão ou pintadas sobre tecido, para ressignificar e corporificar campos energéticos em sua tradição e fé herdada também do xamanismo nativo.
Eduardo “transvê” mundos – como queria a poesia-chão de Manoel de Barros – para dialogar com o avesso das coisas e as superpõe em camadas em que as visualidades vibracionais transversas recriam-se em símbolos que conversam, atonais, com as próprias entidades reveladas e as ocultas nele e em nós.
Suas gravuras ritualizam mitopoéticas que dançam em nosso olhar, e quase ouvimos os cânticos que nos remetem às riscaduras gráficas dos “pontos de Umbanda”, feitas no chão para proteger e ancorar os trabalhos religiosos. São os mesmos substratos e “logotipos poéticos” que foram inspiração de uma série de pinturas de Rubem Valentim nos anos de 1980.
A Umbanda, religião eminentemente brasileira, mestiça e reveladora de uma síntese de várias religiões ou culturas espirituais do mundo, encontra em Eduardo Ver a sua mais perfeita tradução, e não só para deixá-la na história da arte no país. Os rastros de sua importância e permanência hão de marcar uma cultura preciosa que sofre há quase um século de forma preconceituosa, violenta e ignorante a tentativa de apagamento de sua nobre e forte existência.
A técnica esmerada de Eduardo Ver, de raro apuro no modo de desenhar e gravar a madeira, imprimir e revelar o além dos mundos, nos leva a contemplar e completar sua obra não só com um olhar meramente estético, pois precisamos nos deixar levar pela intensidade e energia transcendente que dela vibra e emana.
Esta exposição, na Galeria Estação, dará não só o reconhecimento que o artista filho de Ogum merece. Esse orixá − que também rege, com Oxum, este ano de 2023 − há de abrir caminhos com sua falange de Exus para que possamos honrar um dos artistas contemporâneos essenciais no Brasil, daqueles que de tempos em tempos nos visitam para engrandecer e iluminar momentos de escuridão.
Eduardo me faz lembrar a canção de Gilberto Gil – ouçam! – “Um Banda Um”, que se abre luminosa a atualizar terreiros imaginários dentro de nós, para uma dança de corpos e almas afins da arte, com harmonia e beleza, para celebrar a Diversidade e a Unicidade com que se ama e se recria a Vida.
Bené Fonteles
GALERIA ESTAÇÃO INAUGURA EM 8 DE MARÇO CALENDÁRIO ANUAL DE EXPOSIÇÕES COM “A GEOMETRIA E O SAGRADO”, DE EDUARDO VER
Com texto do catálogo assinado por Bené Fonteles, artista visual, escritor e curador, mostra reúne 16 xilogravuras criadas sob a inspiração de simbolismos religiosos, principalmente os de matriz africana
“A Geometria e o Sagrado”. Esse é o nome da exposição que abrirá, em 8 de março, o calendário anual de mostras temporárias da Galeria Estação e assinala a entrada do artista plástico Eduardo Ver no hall de artistas representados pela galeria. Ao reunir 16 xilogravuras, colecionadores e público poderão conhecer nesta individual obras únicas, sem edição. Um trabalho meticuloso que Ver desenvolve há mais de duas décadas sob a inspiração de simbolismos religiosos, principalmente da Umbanda, que são rascunhados em papel e depois entalhados em madeira.
Uma obra, vale mencionar, que despertou o interesse da galerista Vilma Eid. Ela recorda que graças à insistência de Bené Fonteles, autor do texto do catálogo da exposição, e do artista Sérgio Lucena – que Vilma chama de "padrinhos" de Ver –, passou a prestar atenção à obra do xilogravurista. “Eu conheci seu trabalho ao vivo, pela primeira vez, em uma mostra coletiva no Paço das Artes, em São Paulo, Modernismo desde aqui, com curadoria do Claudinei Roberto. A força do trabalho me pegou! Uma obra corajosa, de grandes dimensões. Símbolos que logo me fizeram lembrar do querido Samico, mas com uma linguagem muito própria desenvolvida por Ver”, afirma a proprietária da Galeria Estação.
No texto que escreveu para o catálogo da mostra, “Os extraordinários terreiros imaginários de Ver”, Fonteles avalia: “Raros criadores dedicados à gravura no Brasil trabalham com tanta lealdade a uma iconografia mitopoética como Eduardo Ver, há duas décadas, com árduo afinco e rara artesania”. Para o artista visual, escritor e curador, uma gravura de Ver contém universos paralelos, múltiplos e com uma força que não é só expressiva pela estética, mas também pela energia que emana de cada campo vibracional que compõe e recompõe mundos.
Ainda de acordo com Fonteles, a força gráfica da obra de Ver não provém apenas do solo sagrado que pisa. “Ele nos envolve com narrativas de sua vasta cosmovisão desses terreiros imaginários, revela e vela mundos ainda tão desconhecidos nos quais entidades da Umbanda trafegam e incorporam a alma da terra brasileira”, afirma. “Com sua técnica esmerada, de raro apuro no modo de desenhar e gravar a madeira, imprimir e revelar o além dos mundos, ele nos leva a contemplar e completar sua obra não só com um olhar meramente estético, pois precisamos nos deixar levar pela intensidade e energia transcendente que dela vibra e emana”, pontua.
Presente dos orixás
Inaugurar uma exposição individual e passar a integrar o acervo de artistas representados pela Galeria Estação têm uma conotação especial para Ver. Segundo afirma, significa poder mostrar seu trabalho a um público mais amplo. “Esta exposição é um presente dos orixás para mim e, também, uma forma de eu devolver a eles tudo que me deram. Sinto-me privilegiado e feliz diante dessa responsabilidade neste momento de trabalho e muita alegria”, diz.
Em relação ao nome da mostra, ele explica que geometria e sagrado se entrecruzam e se perpassam para materializar, em suas xilogravuras, o místico e o universal presentes não apenas nas religiões de matriz africana, mas também em outras. Em suas composições, Ver também recorre a plantas, animais e figuras de santos católicos, além de objetos alegóricos. Em sua geometria sagrada podem ser identificados outros símbolos que fazem alusão tanto aos povos originários do Brasil quanto ao sufismo, religião mística do Islamismo, como os arabescos, por exemplo. A todo esse inventário cultural diversificado o artista atribui uma paleta elegante de cores, inspirada pelos exercícios de observação das plantas que encontra na natureza e nas floriculturas próximas da sua residência, na Zona Leste da cidade de São Paulo.
Quanto à técnica utilizada, Ver aplica diversas camadas de impressão sobre o papel. Para cada xilogravura produz várias matrizes, que são sobrepostas até atingir um certo grau de tridimensionalidade. Segundo o artista, o objetivo é imprimir ritmo às obras, fazendo com que todos os elementos convivam em harmonia, num verdadeiro estado de confraternização.
A mostra “A Geometria e o Sagrado” poderá ser vista pelo público até 13 de maio.
SOBRE EDUARDO VER
Nascido em 1979, em São Paulo, cidade onde vive e trabalha, Eduardo Ver – nome artístico de Valter Eduardo Flávio da Silva – já praticava o desenho como uma ferramenta lúdica para se conectar com outras histórias. O interesse pela xilogravura, seu principal foco de pesquisa, deu-se a partir da sua experiência na Universidade Cruzeiro do Sul, onde se formou em Artes Visuais, em 2006. Foi também durante o período acadêmico que ele chegou ao Atelier Piratininga, onde permaneceu por mais de sete anos, até 2012. Sob orientação do artista gravador Ernesto Bonato, aperfeiçoou-se na técnica e na produção da gravura, encontrando a prática que o guiaria como artista. Em quase 20 anos de produção, Ver desenvolveu uma cadência conceitual bastante original e um rigor técnico apurado, adquiridos a partir da sua experiência com projetos gráficos. De seu estúdio, chamado por ele de “Gráfica talhando em silêncio”, saem, por exemplo, ilustrações para variadas publicações, como livros de cordéis, cartazes e lambes. Em sua trajetória, entre 2009 e 2022 teve seus trabalhos presentes em inúmeros salões e mostras realizados em diversas cidades paulistas, além de eventos internacionais na Argentina, França, Eslováquia e Cuba, por exemplo.
SOBRE A GALERIA ESTAÇÃO
Com um acervo entre os pioneiros e mais importantes do país, a Galeria Estação foi inaugurada no final de 2004 por Vilma Eid e Roberto Eid Philipp e consagrou-se por revelar e promover a produção de arte brasileira não erudita. A sua atuação foi decisiva pela inclusão dessa linguagem no circuito artístico contemporâneo ao editar publicações e realizar exposições individuais e coletivas sob o olhar dos principais curadores e críticos do país. O elenco, que passou a ocupar espaço na mídia especializada, vem conquistando ainda a cena internacional ao participar, entre outras, das exposições “Histoire de Voir”, na Fondation Cartier pour l’Art Contemporain (França), em 2012, e da Bienal “Entre dois Mares – São Paulo | Valencia”, na Espanha, em 2007. Emblemática desse desempenho internacional foi a mostra individual “Veio – Cícero Alves dos Santos”, em Veneza, paralelamente à Bienal de Artes, em 2013. No Brasil, além de individuais e de integrar coletivas prestigiadas, os artistas da galeria têm suas obras em acervos de importantes colecionadores brasileiros e de instituições de grande prestígio e reconhecimento, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo, o Museu Afro Brasil (São Paulo), o Pavilhão das Culturas Brasileiras (São Paulo), o Instituto Itaú Cultural (São Paulo), o Sesc São Paulo, o MAM - Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o MAR, na capital fluminense.
(SERVIÇO)
A Geometria e o Sagrado
Quando: abertura em 8/3 (quarta-feira), das 18h às 21h; fica em cartaz até 13/5
Onde: Galeria Estação | Rua Ferreira Araújo, 625 – Pinheiros
Horários de funcionamento da galeria: segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 15h; não abre aos domingos
Telefone: (11) 3813-7253
Email: contato@galeriaestacao.com.br
Site: www.galeriaestacao.com.br
Instagram: @galeriaestacao
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